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Vinham os três bem devagar, entrando na Cobal.
Pude vê-los, ainda de longe e chamou minha atenção uma certa harmonia, que não identifiquei logo onde se expressava, mas que me pareceu evidente.
Certamente os pais eram portugueses. Bem idosos. Inconfundíveis no tipo físico e na forma de se trajar. Ritmadamente, com passos seguros e aquela inconfundível postura humilde de nossos irmãos lusitanos.

Costumo pensar que os portugueses de nossos tempos, no Brasil, têm em sua maioria um jeito de ser que beira a humilhação. Uma forma meio servil, um olhar submisso. Mesmo os mais rudes, nem sempre exatamente respeitosos, me parecem se colocar num patamar abaixo. Diferente dos espanhóis e sem comparação com a forma aparentemente superior dos demais europeus. Esses “patrícios” acusados como descendentes de nossos supostos únicos colonizadores (e quem dera isso fosse verdade!), talvez porque vieram no tempo do Brasil-terra-da-fartura, saídos de um Portugal de dificuldades muito grandes, conservam uma forma meio que de estar sempre se desculpando pelo lugar que ocupam. Assim eu costumo sentir, pelo menos.

Mas aqueles três não. Nem arrogantes, nem humilhados. Formavam um grupo coeso.
O pai, a mãe e o filho entre eles. Não lhes posso precisar a idade, mas o mais jovem devia ter mais de 40 anos e os cabelos totalmente brancos dos mais velhos, além de seus rostos de muitas histórias vincadas ao redor dos olhos e nos cantos das bocas, não deixavam dúvida de beirarem os 80.

Filho e pai vestiam-se quase iguais. O pai como modelo, certamente. Corpos fortes, roupa simples e cuidada.
A mãe, bem mais baixa que os homens, mas de corpo rijo e braços de quem sabe acolher, parecia pronta a tomar o homem jovem pela mão a qualquer momento.
Vinham na minha direção e eu não duvidei um segundo sequer que eram uma família.
Mais de perto percebi que a proteção que adivinhara naqueles pais era real. Pelo gestual do filho pude entender que necessitava cuidados especiais: paralisia cerebral provavelmente.
Olhando o grupo, analisando seus rostos, interpretando os sinais que ia distinguindo, pela minha cabeça foi se fazendo, em retrospectiva, uma história possível. E vi os muitos anos que aquele casal se dedicou ao filho, estampado no orgulho com que caminhavam a seu lado. Amor puro, nascido dos cuidados e da intimidade.
Nenhum constrangimento. Nenhum sinal de incômodo. Parceria apenas, era o que demonstravam entre si.

Lembrei-me, então, de todos os anos em que passei defendendo o lugar comum para todos os seres humanos, independentemente de suas características individuais. E de como sofri vendo a dificuldade de algumas famílias em conviverem com as diferentes formas de ser de filhos tidos como deficientes.
Mas aquele trio que passou por mim era como uma bandeira de vitória. Ensinando fraternidade a quem fosse capaz de ver e sentir.

Às vésperas de Natal, uma Sagrada Família.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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