Os santos vivem e agem como tais. Às vezes nos deixam suas experiências em textos preciosos, outras vezes em palavras simples que não expressam bem toda riqueza de onde brotaram. Assim, me parece, foi o caso com Dom Luciano. O que torna mais difícil dizer algo sobre ele sem pecar por insuficiência. Agravada pelo fato de ser um olhar subjetivo sobre sua vida. E que pede complementações. De qualquer modo, vejo-o, sobretudo, sob três aspectos: o cristão, o jesuíta, o pastor.
O CRISTÃO. Luciano foi um homem de fé. Uma fé que não consistiu apenas em manter uma visão religiosa da vida, recebida da família e confirmada na escola, mas em estruturar toda a sua existência em torno de Deus, revelado na pessoa de Jesus Cristo. Viver na terra os valores do céu, atestar com a própria vida a realidade transcendente de Deus, demonstrar sua existência por trilhar caminhos inacessíveis ou mesmo contrários à mera lógica humana, não é isto ter fé? Tarefa difícil vivida na simplicidade do cotidiano, nos gestos de caridade desapercebidos pelos demais, na renúncia a si próprio para beneficiar o próximo. No fundo, a fé é um risco e ser cristão é lançar-se numa aventura. Não o sentimos porque ficamos a meio caminho, contentamo-nos com o mínimo, reduzimos a mensagem de Cristo. Luciano não. Quis correr a aventura sem fazer concessões. Investiu a realidade mais nobre do ser humano, a saber, sua liberdade, no seguimento real de Jesus Cristo. Através de suas opções diárias foi construindo sua pessoa, ao longo de sua vida, como alguém que viveu para os outros. Descentrado de si mesmo, como o foi Jesus Cristo, perdendo conscientemente as oportunidades que a vida lhe oferecia, mas crescendo em sensibilidade, preocupação, amor e ajuda concreta aos que o procuravam. Ter fé é também experimentar Deus de dentro, captar sua força, desfrutar certezas divinas, percebê-lo como alguém e não como mais uma palavra. Luciano viveu com autenticidade a aventura cristã. Sua existência foi um testemunho patente de que Cristo vive e atua entre nós. Poderia o cristianismo sobreviver apenas com suas doutrinas, com suas instituições, com suas conquistas passadas? Não se tornaria com o tempo apenas um bem cultural da humanidade? Nossa fé necessita da fé vivida dos santos, que nos convencem, estimulam e orientam. Só Deus sabe como o cristão Luciano foi decisivo e importante para tanta gente!
O JESUÍTA: Luciano assimilou seriamente a riqueza cultural, espiritual, e apostólica que lhe oferecia a Companhia de Jesus. Dotado de grande inteligência soube desenvolver sua capacidade intelectual, enriquecendo-a com a longa e profunda formação dos jesuítas. Mesmo que jamais desse muita importância para primeiros lugares, títulos ou diplomas. Deste modo pôde sempre acompanhar em plano superior os embates das idéias, as tensões sociais, as conjunturas eclesiais. Era alguém que via longe, alguém que conhecia a complexidade da realidade, alguém que evitava os extremismos, alguém que conciliava os ânimos. Aprendera com Inácio de Loyola que o bem quanto mais universal mais divino. Mas, por outro lado, aprendera também que o amor se põe nas obras, que o dinamismo infinito da ação de Deus deve se encarnar no concreto, no cotidiano, no pequeno, no pobre, no escondido. Deste modo cada pessoa concreta, com seus problemas e sofrimentos, era vista, acolhida e tratada por ele como centro de atenção e dedicação. Conciliar estes dois pólos que sempre geram tensões na vida do jesuíta não é nada fácil. Luciano o fez com maestria e generosidade, surpreendendo os que não o conheciam pela amplidão e profundidade de suas intervenções públicas, como também pela atenção e carinho em seus contatos pessoais.
O PASTOR: No período áureo da patrística os bispos encarnaram o serviço pastoral da Igreja de modo modelar. Eram, sobretudo guias espirituais, educadores da comunidade, mestres da fé cristã, exemplos para seus fiéis. Conheciam bem seu rebanho, sabiam os nomes de todos, seus problemas, seus anseios, seus sofrimentos. Tinham especial cuidado com os mais pobres e os mais carentes da comunidade. Depois o múnus episcopal ganhou outra configuração por razões históricas. Ênfase na autoridade, dioceses grandes, complexidade dos problemas administrativos, formação e animação do clero tornaram o bispo uma figura mais afastada dos fiéis, às voltas com questões de maior vulto. Dom Luciano nos fez lembrar a figura de um Santo Agostinho e de outros bispos daquela época. Atento à formação do clero, aos planos de pastoral, ao uso de meios eficazes, ao contato com outras Igrejas dentro e fora do Brasil não excluiu, como bispo, o contato pessoal, a escuta paciente, a dedicação sacrificada, a predileção pelos pobres. Foi realmente o bispo dos pobres a quem dava até o número de seu celular ou sua própria cama. Sua atividade pastoral exemplar e incansável não deixou de marcar seus sacerdotes e seus diocesanos, revelando-o guia e educador espiritual. Como sentimos todos seu desaparecimento! Talvez só agora tomemos consciência plena de que convivemos com um santo e de que através dele o próprio Deus nos interpelava. Saibamos agradecer a Deus por este grande dom que foi a vida deste homem.