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O vendedor de abacaxi, que considera sua barraca como uma loja, reclama da vizinha, lá, de Itabaiana, que, segundo ele, passa a noite inteira fazendo sexo e falando alto, a ponto de incomodar seu sono.  A vendedora da barraca ao lado, que é muito sapeca, short curto, bota nos pés, fala por trás, depois que ele se cala, afirmando que, em verdade, não é do sono perdido que a reclamação é feita, é de inveja por não estar fazendo o mesmo com a vizinha. Eu apenas ouço, como ouço o mendigo de uma perna só que, sentado no chão, chama o prefeito, pelo nome, de ladrão, porque teria ficado com o seu dinheiro. No intervalo das xingas, pede esmola.

Já a vendedora de melancia, que se espanta quando digo que um amigo meu tem três mulheres,   expõe uma bacia de fava, que me desperta o apetite. Para dizer que a fava é boa, explica que não tem ranço algum, no que replico que fava gostosa é, justamente, a que tem ranço. Ela se cala, mas não argumenta mais nada, porque compro a fava. Adiante, na barraca de queijo e manteiga, para brincar com o vendedor, que é de cidade de interior, pergunto-lhe, enquanto ele me passa o troco, se é verdade que o juiz de sua terra quebra as asas. Ele parte para a defesa, desmentindo. Faço que acredito e vou seguindo.

Na barraca das verduras, o vendedor me pergunta como estou. Bem, respondo. Ele então justifica que soube que tive um enfarto e me pergunta o que senti no momento exato. Poderia dizer que não eu não tive enfarto algum, mas sei quem fez a afirmativa por lá, e, para não desmentir o informante, que, afinal, é meu amigo,  começo a contar o mesmo que  um enfartado me revelou não faz muito tempo. E agora, como está se sentindo? Bem, até agora tudo bem, o médico disse apenas que eu não deve correr ante o risco de ficar gago.

A feira, de manhã cedo, antes do sol bater forte, é divertida, mesmo que não encontre cajarana para comprar, frutinha danada que nenhum vendedor valoriza. E eu doido por uma, ela no ponto, eu de faca afiada a descascar, para, depois, devorá-la, pedaço por pedaço, sem me incomodar com as frestas que se alojam nos dentes. De quando em quando, enganado, levo no bolso, a título de troco, uma nota de cinco reais, grosseiramente adulterada. Não me irrito.

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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.
Obs: Publicado no Correio de Sergipe

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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