Patricia foto tam.bom

[email protected]
http://www.patriciatenorio.com.br

07/01/12

Há quase 500 anos, um homem escreveu um dos maiores tratados sobre a guerra e a manutenção do poder. Em carta endereçada a Lourenço de Médicis, Nicolau Maquiavel sugere estratégias militares e políticas para induzir o príncipe a unificar a Itália.

Maquiavel foi criticado, exilado e perseguido pela Igreja Católica. O tratado, originalmente intitulado De Principatus (Dos Principados), pode ser visto pelo âmbito contextual da época em que Maquiavel desejava retomar o posto que ocupava e do qual foi destituído. Mas, se observarmos com maior atenção, os princípios vão além da ética ou mesmo da imoralidade com que foi considerado: há verdadeiras revelações e exposições da natureza humana.

Se utilizarmos Dos Principados como código de conduta quanto à proatividade/coragem, humildade e prudência, podemos desfrutar de lições verdadeiramente preciosas. Vejamos alguns casos:

Proatividade/Coragem:

“(…) uma guerra não evita-se mas protela-se, e nunca em seu próprio favor. (…) o tempo tudo arrasta consigo (…) não se deve jamais dar livre curso a uma desordem para esquivar-se a uma guerra, porquanto esta não se evita mas adia-se em detrimento próprio.” [1]

Prudência:

“… aquele que promove o poder de um outro perde o seu, pois tanto a astúcia quanto a força com as quais fora ele conquistado parecerão suspeitas aos olhos do novo poderoso.” [2]

Humildade:

“… o homem prudente deverá constantemente seguir o itinerário percorrido pelos grandes e imitar aqueles que mostraram-se excepcionais, a fim de que, caso o seu mérito (virtù) ao deles não se iguale, possa ele ao menos recolher deste uma leve fragrância…” [3]

Não se trata de enxergar o bem onde não existe, mas de constatar que o bem ou o mal são escolhas – contínuas – que consolidam um caráter à medida que são tomadas, para um caminho ou para o outro.

Tragamos à luz dois outros textos, aparentemente distintos, que corroboram esse pensamento. Santo Agostinho em suas Confissões nos revela:

“Também pude entender que são boas as coisas que se corrompem. Se fossem sumamente boas, não poderiam se corromper, como tampouco o poderiam se não fossem boas de algum modo.” [4]

E

“… adaptados à parte inferior de tua criação, com a qual também os maus se assemelham, tanto mais quanto mais diferem de ti [Deus], assim como os justos se assemelham às partes superiores do mundo na medida em que se assemelham a ti [Deus].” [5]

Em O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde confessa:

“– Eu gostaria de poder amar (…) Mas parece que perdi a capacidade de sentir paixão e esqueci o desejo. Estou por demais concentrado em mim mesmo.” [6]

Ou

            “Teria sido apenas a vaidade que o fizera cometer sua única boa ação? (…) Ou a paixão de representar um papel que, às vezes, nos leva a fazer coisas mais belas do que nós?” [7]

Sem querer fazer apologia do mal nem sustentar o poder a qualquer custo, O príncipe nos força a enfrentar a própria imagem no espelho e retirar a máscara da falsa bondade. Oscar Wilde nos adverte:

“Os livros que o mundo chama imorais são os livros que lhe mostram sua vergonha.” [8]

Maquiavel nos aconselha a preservação da espécie, o estabelecimento dos limites, a imposição do respeito que, desde a mais tenra idade, é preciso incutir no ser humano.

“… os homens, afinal, atentam contra os outros homens ou por ódio ou por medo.” [9]

(…)

            “Crueldades proveitosas (se é lícito tecer elogios ao mal) pode-se chamar aquelas das quais faz-se uso uma única vez – por necessidade de segurança –, um uso no qual não mais se insiste e cujos efeitos revertem tanto quanto possível em favor dos súditos.” [10]

(…)

            “O mal, portanto, deve-se fazê-lo de um jacto, de modo que a fugacidade do seu acre sabor faça fugaz a dor que ele traz. O bem, ao contrário, deve-se concedê-lo pouco a pouco, para que seja melhor apreciado o seu gosto.” [11]

Mas a maior lição que podemos apreender de Maquiavel é a confiança em si. Contar consigo apesar da crítica alheia, apesar dos dons e talentos que aos outros pertencem: usarmos o que nos é próprio.

“Quando Davi foi à presença de Saul oferecer-se para lutar contra Golias – filisteu que desafiara-o –, Saul, na intenção de encorajá-lo, passou-lhe a sua própria armadura. Davi, após tê-la vestido, recusou-a, alegando que com ela não poderia valer-se das suas próprias forças, preferindo ir ao encontro do seu inimigo armado com a sua funda e com a sua faca. Numa palavra, a armadura de um outro, ou ela te cairá dos ombros, ou pesará demais sobre eles, ou te comprimirá.” [12] 

____________________________________

Obs.: Os trechos aqui retirados dos livros não foram revisados. Respeitou-se as respectivas traduções.
(1) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, pp. 15 e 18.
(2) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, p. 19.
(3) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, p. 26.
(4) Confissões, Santo Agostinho, Editora Martin Claret, Série Ouro, p. 155.
(5) Confissões, Santo Agostinho, Editora Martin Claret, Série Ouro, p. 158.
(6) O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde, Editora Civilização Brasileira, p. 232.
(7) O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde, Editora Civilização Brasileira, p. 249.
(8) O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde, Editora Civilização Brasileira, p. 246.
(9) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, p. 40.
(10) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, p. 45.
(11) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, p. 46.
(12) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, p. 68-69.

Revisão Ortográfica: Ana Lucia Gusmão e Sandra Freitas
Ana Lucia Gusmão cursou Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, na PUC do Rio de Janeiro. Alguns anos depois, fez pós-graduação em Língua Portuguesa e há cerca de 10 anos entrou para a área editorial, fazendo revisão e copydesk para várias editoras cariocas. Contato:[email protected]
Sandra Freitas é formada em jornalismo pela PUC/RJ. Trabalhou sempre como redatora e revisora em jornais e agências de publicidade do Rio e da Bahia, onde morou durante muitos anos. De volta ao Rio, especializou-se em Língua Portuguesa pela Faculdade de São Bento e trabalha desde então para revistas e editoras cariocas. Contato: [email protected]

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]