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Eu tinha quatro anos e ainda não ia a escola, porque à época, na minha aldeia, a criança só começava a estudar com seis anos, o que me deixava sem ter o fazer em casa. E aí estava, na lavandeira,  perto de mamãe, que, de faca na mão, cortava a carne que, da feira, papai enviara. Entonce, chegou Alba, aluna do Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. Mamãe estranhou sua presença tão cedo em casa. Explicação, que eu ouvi: não vai ter aula, porque o presidente morreu. O presidente, entenda-se, Getúlio Vargas, que dera um tiro no peito. Data: 24 de agosto de 1954. É o que me lembro do dia, só, exatamente só. Nada mais ficou, porque, acho que, se comentário mamãe fez, naquele momento, não prestei atenção, afinal eu não sabia quem era o presidente do país, nem tampouco o que era ser presidente, nem muito menos o que era a morte. Numa época em que as notícias chegavam pelo rádio e por telegramas, a minha ignorância, aos quatro anos de idade, era total e completa. A morte era só uma palavra, sem significado prático.

Depois, já com idade maior, sete ou oito anos, indo a loja de papai, de quando em quando, me impressionava, no armarinho de Antonio Vasconcelos com as estatuetas de Getúlio Vargas, de corpo inteiro, ou só o busto,  lá exibidas, além de retratos diversos, alojadas numa parte do balcão. Mais adiante, quando o seu armarinho foi encerrado, papai herdou alguns livros editados pelo Governo Federal focalizando a figura de Getúlio Vargas na presidência do país, sua comparação com os presidentes anteriores, suas qualidades, etc., livros que devorei um a um, curioso e atento a tudo que com ele se relacionava. De um desses livros, aproveitei o seu retrato com a faixa presidencial e toquei em um quadro, que, por muito tempo, esteve pendurado numa parede. A essa altura, tinha mais de vinte anos de idade.

O tempo não diminuiu a admiração, consciente dos seus defeitos e de suas virtudes, a transformar o dia 24 de agosto em data que me nasceu há exatamente cinquenta e um anos atrás, crescendo de importância a partir dos anos. O menino de quatro anos, nesse dia,  ainda escuta a irmã a revelar o motivo de seu retorno da escola. O suicídio volta à tona,  não com a sua indiferença, mas com o respeito que, ao longo dos anos, o tempo me forjou.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco.

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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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