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A corrupção vem de longa data. Suspeita-se que exista desde sempre. Na atualidade, ganha novas denominações, que nem mais parece ela. E dizem que é o poder que corrompe. Não me atrevo a duvidar. Há sobra de provas. A corrupção se deixa encontrar em todas as instâncias de poder, em todos os partidos políticos, em todos os povos, em todas as culturas, em todo lugar… Daí advém a pergunta: o poder sempre corrompe? E corrompe todos os que o ocupam? Se isso for verdade, não há solução, já que sem poder constituído, concentrado ou distribuído, está provado que não conseguimos subsistir enquanto sociedade humana.

Se o poder nem sempre corrompe, então o problema não está nele. Estará, porventura, nas estruturas, nos sistemas econômicos, nos regimes políticos que comprimem, empuxam, forjam, distorcem, entontecem e, enfim, corrompem quem neles adentra? Mas, haverá alguma forma de poder que não deforme e alguma possibilidade de viver fora de qualquer estrutura, separado de toda maldade? Se sim, então se deveria adotá-la imediatamente. Por ora, contudo, parece difícil.

Alguns acreditam que a corrupção reside nas pessoas. Seria o tal pecado original, que se associa facilmente à autossuficiência e ao individualismo humano. Nessa linha de pensamento, bastaria a ocasião para fazer o ladrão ou apenas para revelar a corrupção. Também não é total verdade, porque há ladrões que não esperam a ocasião: produzem-na à força e com violência. E há muitos que exercem o poder sem nunca se tornarem corruptos ou corruptores. Seriam esses possuidores da tão cara ética ou simplesmente da saudável vergonha para tais circunstâncias, enquanto outros não teriam sido agraciados com essa dádiva?

Para o filósofo iluminista Jean Jacques Rousseau, a corrupção anda às soltas na sociedade. Na obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, ele afirma: “O homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe”. Rousseau considerava que as pessoas são virtuosas apenas durante sua infância e juventude; depois, inevitavelmente, se corrompem. Seria a corrupção, como descreveu Sérgio Buarque de Holanda, o velho jeitinho brasileiro elevado a índices exponenciais?

Por esse período, tomou conta da mídia e das ruas o debate e os protestos contra a corrupção. Essa é uma chaga social que às vezes se revela e muitas vezes se esconde, exatamente porque é da natureza da corrupção andar “meio” às escondidas. Enquanto tudo isso acontece, não podemos esquecer e esconder as corrupções históricas e as desigualdades brutais promovidas, mantidas e naturalizadas pelo poder dominante, sobretudo pelas elites nacionais e internacionais que exploram os trabalhadores e impõem novas formas de colonialidade e exclusão. Estudo da Oxfam, uma ONG britânica, mostra que em 2016, o total de riquezas de 1% da população mundial será maior do que a riqueza dos outros 99%. Ou seja, uma desigualdade inconcebível e inaceitável, expressão da mais alta injustiça e corrupção social.

A corrupção é sempre intolerável, qualquer que seja o campo e o grau. Não nos esqueçamos dos mecanismos de corrupção eleitoral, das distorções e manipulações feitas pela grande imprensa e dos imperialismos reproduzidos pelo sistema capitalista. Precisamos sim de uma reforma política séria e urgente e da aplicação de pacotes anticorrupção. Porém, não é o suficiente. É necessário fortalecer em todas as pessoas, em todas as instâncias e dimensões de poder a cultura da justiça social, da ética, da democracia política e econômica, do princípio do bem comum acima dos interesses privados. Do contrário, não avançaremos enquanto projeto societário.

A corrupção, “velha” e enjeitada senhora, é, antes de tudo um problema ético e antropológico. Além de discutir se a corrupção é um mal inato, herdado ou produzido, é imprescindível procurar “remédios” adequados para saná-la e evitá-la. E o que fazer com os corruptos e/ou corruptores? Rousseau não acreditava que a solução para os males da humanidade passariam pelo remédio jurídico, pois, “hecha la ley, hecha la trampa”. Por isso, insistiu na necessidade da reforma dos costumes. Mas como reformar os costumes, os princípios, os valores, os horizontes éticos?

Não vejo outro caminho mais eficaz do que a educação. Sim, muita educação de qualidade humana e cidadã. A solução não está na ditadura ou nos totalitarismos. Esses regimes em nada contribuem para o bem da humanidade. Também não basta alternar quem está no poder. Os desafios são maiores e o caminho é pela democracia. Precisamos radicalizar a democracia econômica e a justiça social. Mas, como garantir que os últimos da sociedade sejam tratados como os primeiros, isto é, com igualdade de condições? Avançamos com as formas democráticas de chegar ao poder político e de exercê-lo, mas há muito que fazer para alterar a lógica do poder econômico. Aí a luta é contra o “Golias” chamado capitalismo neoliberal, princípio básico de toda corrupção!(28.03.2015)

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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