Djanira Silva 1 de outubro de 2015

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Deixo para trás o que penso e o que resolvo não fazer. Assumo, então, que os ocupados e trabalhadores chamam de demência. Isto mesmo, demência. Nós nos possuímos e nos damos ordens e escolhemos, quase sempre não fazer nada.

Devolvo ao tempo as ordens que recebo e sequer paro para pensar.   Depende, depende mesmo do que desejo não fazer e sempre escolho o não fazer nada. É bom, não tem conseqüências, não gera problemas, ninguém reclama que está mal feito não cansa nem dá estresse. É, não restam dúvidas, a melhor coisa do mundo.

Deveres e obrigações, horários determinados, tarefas a realizar cansam o corpo, descarregam as energias da alma.

Durmo com preguiça. Desperto com ela. Deixo-a à vontade. Preguiça também é gente.

Despacho deveres e obrigações para o espaço ponho as pernas para cima, suspiro, me deito e me arrepio toda da alegria que sinto de poder dispor de mim mesma.

Será demência mesmo, ou apenas um vício? Bem seja lá o que for não prejudica ninguém. Sonho, acordo, ando na chuva, e volto para casa se quiser. Ninguém me espera e não estou nem aí para este vazio. Se ele continuar, melhor, mais tempo livre para o não fazer e parar de pensar no que fazer.

Detenho-me diante de mim com minha estranha face. Claro que estranho a gente trata bem para não criar problemas e nem ficar mal visto.   Demência? Que seja. Ela segura meus passos como uma bengala segura meus passos. Se cair, caí. Então, concluo que, se estivesse fazendo alguma coisa teria caído na certa.

Divirto-me com minhas demências. Se alguém gostar pode imitar não será plágio. Tem tanto demente por aí.

Durmo quando quero. Desperto sem querer. Isto é ótimo. Tenho duas vontades uma manda a outra desmanda. Uma eu conheço a outra me conhece. Nunca poderei escolher. Fico assim mesmo. Se me der bem, muito bem, se me der mal, muito mal.

Detenho-me diante desse novo mundo que cresce a olhos vistos.

Devo estar bem assim.  Tão bem que às vezes tenho medo de botar olhado em mim mesma.

Decidi por unanimidade, não fazer mais nada. Esta opção é um privilégio porque as pessoas sempre têm o que fazer e às vezes nem fazem bem feito. Na verdade, gosto de escrever, ofício que considero igual a não fazer nada, só será alguma coisa se tiver que leia. Meus leitores estão esgotados, não, não são os livros, são os leitores mesmo. O ato de escrever não é obrigação é imposição. Imposição daquele outro eu que não conheço, aquele que me acorda todas as manhãs e à noite me faz adormecer cheia de idéias, idéias das quais na manhã seguinte já nem lembro mais.

Desvio-me dos labirintos que os pensamentos desenham para me distrair. Não adiante, continuo assim, assim mesmo, tão útil como uma coisa reciclada.  Já chega de tanta obrigação. Passei, quase meio século de vida pendurada nas pernas do relógio, rolando pra lá e pra cá, vasculhando as horas, procurando espaço onde coubessem todos os meus afazeres. Menino pra mamar, pra comer, para estudar, marido procurador, isto é, procurador de encrencas e de outras coisas mais, casa cheia de móveis inúteis, estatuetas sem graça, peças raras que de vez em quando se espatifam no chão e viram cacos. Pra que tudo isto? Não levarei nada comigo. Muito tarde descobri que mortalha não tem bolso e caixão não tem gaveta.  De nada me servem agora. Estou cansada de ver sempre as mesmas coisas. Mal enxergo onde piso, mal escuto o que os outros dizem, e sinto as dores da velhice zombando da pressa dos meus quinze anos.

Dias novos. Já não tenho deveres nem obrigações. Cozinhar, lavar, passar, um sem número de tarefas fui passando adiante, pois encontrei alguém mais besta do que eu. Assinei minha própria carta de alforria.

Demente, nada, estou mesmo é sabida Livrei-me das pernas do relógio e passei a cuidar das minhas são elas que me ajudam a não fazer, muito bem feito, nada.

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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