Em 1964, poucos dias após os militares transgredirem a constituição e tornarem o poder, a sede da união dos estudantes no Rio de Janeiro foi incendiada. Quatro anos depois, Edson Luís, estudante secundarista que fazia parte de uma geração insatisfeita com as restrições impostas pelo regime militar, foi assassinado por agentes da ditadura com tiros à queima-roupa no calabouço, restaurante central dos estudantes universitários. Armado da cabeça aos pés de ideias democráticas, Edson Luís, sonhava com o mundo mais justo, reivindicava liberdade de expressão e reformas na educação.

Na direção do País, os militares deixavam transparecer uma concepção exagerada da própria inteligência e na tentativa de calar os dissidentes do regime, iniciaram uma sequência de ações aterrorizantes. Promoveram censura à imprensa, teatro, música, cinema, rádio e televisão. Julgavam indispensável manter os estudantes em plena vigília e reprimir qualquer movimento por eles organizado. Os estudantes nas ruas causavam nos governantes episódios de fúria, conflitos de valores, delírios e alucinações. Os agentes da ditadura acreditavam que os estudantes eram as trombetas que anunciavam as aspirações políticas das forças comunistas.

Para dificultar aglomerações grandiosas e mobilizações, o Ministério da Educação promoveu a pulverização dos estudantes, salpicando os universitários em residências que abrigassem no máximo 10 estudantes. Para ser residente era exigida obediência incondicional às normas preestabelecidas. Uma mordaça na alma. No entanto, precisávamos concluir o curso superior. A graduação nos permitia o ingresso no mundo dos profissionais especializados e nos tornava mais independentes das pessoas e das instituições.

A República Cebolinha nasceu da insônia e dos terrores noturnos que sofriam os militares. Localizada na Rua Maruim, 488. Uma casa de platibanda. Na frente uma garagem com portão de ferro e uma porta de madeira com bandeira. Construção muito antiga, simples, sem luxo, de compartimentos pequenos, paredes de meia, algumas de taipa. As corrosões do tempo produziram desgastes nas instalações elétricas, hidráulicas e sanitárias. Não sendo totalmente impermeável, quando chovia forte alguns pingos de água caiam do telhado sobre a cama. O corredor era mal iluminado, no entanto, a bandeira da porta proporcionava a entrada exagerada de ventos que devassavam a casa. Os ruídos indesejáveis dos poucos automóveis que passavam na rua, nos incomodavam no período de provas. Entretanto, o som barulhento da sineta do vendedor de leite, todas as manhãs a convocar seus clientes antes do dia amanhecer, quebrava a nossa habilidade habitual de ouvir qualquer coisa sem alterar o humor. O leiteiro violava a lei do silêncio para sobreviver.

A sede da república cebolinha abrigava um aglomerado de conhecimentos. Era a embaixada e o jornal popular de todas notícias de Itabaiana em Aracaju, e ponto de encontro de universitários de várias origens. A atração irresistível exercida, resultava do astral, da fluidez de ideias, motivação, criatividade e armadilhas graciosas que brotavam do cérebro de cada residente. Foi a mais querida e admirada residência universitária de Aracaju. Eram 10 estudantes, quase todos procedentes de Itabaiana, muito inclinados ao saber e cada um em sua própria opinião, mais forte, mais firme e mais solidário. Não foi tombada por não conter vestígios arqueológicos ou inscrições rupestres, mas seu nome vai ser sempre lembrado pela reserva fértil de sabedoria daqueles que passaram por lá, residentes fixos ou flutuantes: Guilhermino Noronha, Elio Lima, Samarone, Antônio Fontes, Zé Augusto Machado, Zé Valde, Vladimir, Marcondes, Luciano Siqueira, Adilson Maciel, Maceta, Cibalena, Mãe Gorda.

Obs: O autor é médico e membro da Academia Itabaianense de Letras.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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