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(uma história de Demi, do livro do mesmo nome, editado pela Martins Fontes e aqui recontada por mim)

Aconteceu na China.

Como todos sabemos, a China tem um território muito extenso e estações do ano muito bem definidas. Lá existem lugares muito áridos, onde em certas épocas do ano a vegetação é escassa. Daí a floração ser tão valorizada e celebrada.

Nossa história começa com um Imperador chinês extremamente bondoso, que amava muito o seu povo e zelava pela felicidade de seus súditos. Acontece que ele estava ficando velho e, como não tivera nenhum filho, que pudesse ser seu herdeiro, preocupava-se em como iria ser seu sucessor. Desejava  que pudesse ser alguém que continuasse a  cuidar do bem estar das pessoas daquele reino. Afinal era uma terra de pessoas muito felizes, que se dedicavam com muito carinho a plantar e cultivavam lindos jardins. E o Imperador, também, gostava especialmente das flores.

Então, pensando e pensando sobre o futuro que teria aquele reino,  ele teve uma idéia. Quando chegou a primavera, mandou reunir, numa grande praça, na frente de seu palácio, todas as crianças que viviam ali.

Era uma manhã de sol e meninos e meninas ficaram curiosos para saber o que o Imperador queria com eles. Chegaram animados e barulhentos e, assim,  esperaram até ouvirem o anúncio da chegada do Imperador. Calaram-se todos e ouviram atentos.

Ele explicou a todos que tinha resolvido escolher, entre as crianças, o seu sucessor. Desse modo, daria tempo para que ele próprio  preparasse aquele que fosse escolhido, com muito cuidado, para que, ao se tornar adulto, pudesse vir a ser um bom governante. Mas, para isso ele pensara que todos  os  que ali estavam deviam passar por uma prova. E dizendo isso foi dando, a cada criança, um pote com terra e dizendo que ali dentro estava uma semente de flor. O teste consistia no cuidado que cada qual deveria ter com sua semente, para que, a partir do melhor resultado obtido, pudesse ser escolhido o novo Imperador.

Dizendo isso, o Imperador marcou com todas aquelas crianças um novo encontro para a primavera seguinte, quando eles trariam seus vasos para serem avaliados por ele. Depois, despediu-se, desejando boa sorte a todos e confirmando que confiava que cumpririam bem a  importante tarefa.

Claro que todas as crianças ficaram animadíssimas com o que ouviram e todas começaram, imediatamente, a sonhar em ser o novo Imperador.

Pois bem, entre as crianças daquele reino, havia um meninozinho chamado Ping.

Ping era considerado um menino de dedo verde, porque tudo o que ele plantava, floria rapidamente. O jardim de sua casa era espcialmente bonito e o menino se orgulhava disso.

Portanto, ao ouvir as explicações do Imperador, Ping não teve dúvida de que seria ele o novo governante. Correu logo pra casa e começou a cuidar com a maior dedicação daquela missão.

Escolheu, para  por o pote, o lugar mais claro que encontrou, que não pegasse vento excessivo e onde ele pudesse vigiar constantemente, regando e acompanhando o crescimento da plantinha. E assim, dia após dia, Ping ocupou-se, em todos os momentos vagos, de que a terra tivesse a umidade adequada.

Passou-se um mes e nada aconteceu. Ping pensou então que valia a pena mudar o pote de lugar. Escolheu um outro ponto da casa e continuou a zelar pela planta que sonhava ver nascer.

No segundo mes não havia nenhum sinal de brotação e Ping  imaginou que talvez a terra do vaso  não fosse a mais adequada. Trocou cuidadosamente toda a terra do pote e voltou a acompanhar o processo da planta.

No terceiro mes, já bastante preocupado, Ping, ao verificar que não havia ainda nenhum sinal da plantinha sobre a terra, resolveu ampliar o espaço. Mudou a planta de vaso, pondo-a num pote bem maior, onde quem sabe, pensava ele, a sementinha se sentisse mais à vontade para germinar.

E assim, de cuidados em cuidados, Ping viu passar toda a primavera, depois o verão, o outono e o inverno… Variando os lugares, tentando aproveitar da melhor forma a luz, regrando o melhor que podia a água, o menino empregou toda sua melhor energia para cumprir a missão que lhe fora destinada, confiante de que conseguiria um bom resultado.

Mas, às vésperas da primavera, o pai de Ping encontrou-o, um dia, chorando sozinho num canto da casa. Ao perguntar ao filho o que o atormentava, ouviu Ping dizer que não iria à festa da primavera. E, devagarzinho o menino foi-lhe explicando todo o seu sofrimento. O pai o consolou, mas discordou de sua decisão, afirmando que pensava que Ping devia, sim, ir ao encontro marcado pelo Imperador e contar o que acontecera. Afinal, não lhe faltara dedicação e responsabilidade. Lembrou-lhe que o Imperador, um homem  tão bom e justo, merecia dele essa atenção e havia de compreender o que acontecera.

O menino, achando que o pai tinha razão, resolveu levar adiante o processo e ainda continuou a cuidar da planta até o dia marcado, mesmo sem ver nenhuma novidade surgir.

O primeiro dia da primavera amanheceu radioso e logo se podia ouvir o burburinho das crianças passando apressadas pelas ruas, cada qual levando nas mãos um vaso com uma flor mais bonita que a outra. Vermelhas, amarelas e azuis, roxas, brancas e alaranjadas, todas as cores misturadas eram como se múltiplos arco-íris aparecessem ao mesmo tempo, enfeitando o cenário para o grande dia da escolha do novo Imperador.

Quando Ping já estava quase saindo de casa, passou pela porta seu melhor amigo, carregando uma maravilhosa flor encarnada. Orgulhoso com seu tesouro, ele perguntou a Ping pela sua flor e o menino cabisbaixo respondeu que sua semente não brotara.

O amigo riu dele e exibindo-se mostrou seu vaso. Ping, magoado, ainda retrucou que ele estava sendo injusto, pois bem sabia que ele era um bom jardineiro, que sempre tinha conseguido cultivar lindas flores. De nada adiantou sua argumentação, pois o outro menino foi-se embora dizendo que era pra se ver como as coisas mudam, pois desta vez Ping falhara.

Assim, sozinho, Ping foi o último a  chegar com seu pote vazio ao pátio onde as crianças esperavam o Imperador e sentou-se no canto mais distante, aguardando o momento da exposição final.

De repente, fez-se silêncio, com a entrada solene do Imperador.

Muito sério, o Imperador foi se aproximando de cada criança e olhando fixamente cada flor. Nenhuma palavra. Nenhum sorriso. Foi uma longa caminhada, entre tantos vasos e cada vez crescia mais a tensão no ar. Sério, cada vez mais sério, o Imperador passava por entre as flores sem expressar nenhuma admiração.

Por fim, após ter visto todos os outros vasos, aproximou-se de Ping e perguntou-lhe por sua flor.

– Infelizmente minha flor não brotou, Majestade. Dediquei-me a ela todos os dias, durante todo o ano, mas nenhuma brotação surgiu. Sinto muito.

Ao ouvir isso o Imperador abriu um enorme sorriso e todos ao redor olharam incrédulos, sem compreender.

– Você será o novo Imperador! – disse ele a Ping.

Ouviu-se um grande – Oh! – de espanto, saído do coro da multidão. O Imperador, calmamente, explicou:

– Dei a todos vocês sementes queimadas. Nenhuma planta poderia ter brotado delas. Você, Ping,  demonstrou ter as qualidades que o novo governante precisa ter, acima de tudo: dedicação, coragem e honestidade. Parabéns! Você será um governante competente, bom e justo!

E foi assim que aquele reino pode continuar a ser um lugar feliz, cada dia mais bem cuidado, governado por um Imperador sensível e leal.

Meu comentário: O importante na vida é fazermos o melhor que pudermos: tudo o que está a nosso alcance. Mas não temos como controlar a qualidade das sementes que recebemos. O resultado final é, portanto, sempre imprevisível.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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