José Bispo era pequeno, magro e andava sempre bem alinhado: cabelos penteados com brilhantina Glostora, roupa cuidadosamente engomada e com cinturão bem ajustado. Excessivamente vaidoso, levava sempre um pente no bolso e verificava sua aparência ao espelho repetidas vezes ao longo do dia. Entusiasmava-se com qualquer elogio e costumava exaltar suas virtudes, grandiosas e inigualáveis.

Quando analisávamos de forma minuciosa seu conteúdo mental, era possível perceber que falava apressado e com desequilíbrio em sua fluência verbal, além de ter leve dificuldade para aprender, lembrar, deduzir e criar. Expressava necessidade psíquica de falar e perguntar, gostava de tudo arrumado e organizado, e de fazer listagens bem detalhadas de suas atividades diárias.

Respondia com baixa reatividade aos estímulos externos e devido à sua viscosidade para reconhecer suas limitações no aprendizado de química, física e matemática, fez várias vezes o vestibular, sem obter aprovação nem perder a motivação de um dia cursar uma escola superior. Quando estimulado em outra direção, não admitia procurar uma atividade alternativa para seu sonho de ser estudante universitário.

Vamos ao conto da nota máxima do vestibular. Zé Bispo mantinha como grande mistério a pontuação alcançada em cada prova. Como fazia todos os dias, ao retornar do vestibular, entrava no quarto e escondia cuidadosamente o caderno da prova para ocultar dos demais o seu desempenho. Durante o almoço reclamou das 75 questões da prova de química. Deixou perceber que no teste mais importante e de maior peso para sua aprovação, tinha sido um fiasco. Após o almoço descansou pouco e logo saiu para assistir um filme em cinemascope colorido. Era o momento esperado para o preparo do trote.

Entramos em seu quarto e depois de muita procura, localizamos o caderno de sua prova entre a fronha e o travesseiro sobre a cama. Usamos o caderno de resposta como matriz para confeccionarmos um falso gabarito com 69 questões corretas e em seguida o caderno foi recolocado no esconderijo e o gabarito foi deixado sobre a mesa de jantar, como de costume.

Ao retornar do cinema, Zé Bispo apoderou-se do gabarito e trancado no quarto iniciou a correção. Gritos e mais gritos ecoavam por toda a casa. Estava extasiado e inquieto. Aquela nota era um transporte seguro para dentro da universidade. Pagou cachorro quente, refrigerante e sorvete para todos. Antes de dormir voltou a corrigir a prova e estava em dúvida sobre sua pontuação. Não sabia se tinha feito 68 ou 69 pontos.

Na manhã do dia seguinte despertou feliz. Sentia-se um jovem em ascensão, predestinado a progredir na vida. Tinha executado seu dever com a máxima eficiência possível. Cumprimentou a todos e depois do café saiu para fazer a ultima prova. Ficou atormentado quando foi informado que a nota máxima em química tinha sido 61 pontos.

Quando retornou, entrou rapidamente no quarto. Não demorou muito e sentou na mesa com o gabarito real na mão. Foi alertado de um equívoco: havia conferido a pontuação na prova de química usando o gabarito da prova de matemática. Após verificação com o gabarito correto, viu que havia acertado apenas 26 questões. Tudo se desenrolou sem que Zé Bispo percebesse a brincadeira. Entretanto, sentiu que alguma coisa estranha acontecia quando ouviu alguns gracejos. Sepultou qualquer palavra agressiva na garganta e conformou-se com a situação. Na despedida, foi consolado pelos presentes:

“Neste ano, Zé Bispo, suas notas não foram suficientes para você alcançar seus objetivos: raspar a cabeça, usar boina azul, adentrar na universidade e fazer o curso superior. Esperamos você no próximo vestibular!”. Abraçou um a um e retornou a Itabaiana.
29/06/2015

Obs: O autor é médico e membro da Academia Itabaianense de Letras.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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