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Doce Maria! De todos os Joões, Josés, Antonios… de quem quiser! A todos traz compensações, prazeres desconhecidos, consolo, relaxamento. E lhes dispensa um sorriso ingente, ingênuo. Todos se apegam a ela, que não se afeiçoa a ninguém. Ela não sabe de onde veio. Desde onde se lembra, sempre esteve ali, naquele mesmo lugar. E sempre atende a clientela sem reclamar, deixando a parte do patrão sobre o balcão, assim que o cliente sai e ela termina de limpar-se na bacia de ágata azul. Borrifa um pouco de perfume no pescoço, passa um pente pelos longos e negros cabelos e desce, à espera do próximo cliente.
Suas colegas gostam dela, que nos momentos de lazer lhes conta lindas histórias de fadas e de sonhos estranhos. Nem ela sabe de onde tira essas histórias. Talvez venham direto do coração, talvez sejam ditadas por um anjo invisível.
Numa tarde de sábado, aproxima-se um jovem estreito e imberbe, a quem Maria dedica um largo sorriso. Sem palavras, ela o toma pela mão e sobem para o quartinho rosa acanhado. Do alto da escada, como se ouvisse um aviso, vira-se e olha para o patrão que lê um jornal ultrapassado. Sem retorno, volta-se para o quarto e encaminha o amante mudo e desprovido de sorrisos.
Na rua, um sol cambiante tenta esconder-se, em sinal de desesperança a todas as ilusões. Um cão late e roda atrás do próprio rabo. Outros sons, não se ouvem. Só uma porta batendo e, dois minutos após, um vulto cosendo-se contra as paredes, desaparecendo no lusco-fusco, sem ninguém mais prestar atenção.
O patrão terminou a leitura do jornal velho e preparou-se para urinar. Mas antes resolveu subir ao quarto de Maria, pois o cliente já havia saído há alguns minutos e ela não aparecera. Precavido, chamou Joana, sua mais antiga companheira. Subiram as escadas que rangiam a cada passo, como se o caminho fosse longo e difícil.
Finalmente, no alto, bateram à porta demoradamente, e ninguém abriu.
Aquele silêncio intrigava, abria caminho à desconfiança. Afinal, em tantos anos, Maria nunca deixara de descer logo após a saída do cliente…
Com um tranco a porta cedeu e o patrão, meio desequilibrado, lançou-se ao centro do pequeno aposento, quase chocando-se contra a cama onde estava Maria. Joana levou a mão à boca, os olhos enormes e negros se abriram mais e arrepiou-se inteira.
Uma gota de saliva brilhava nos lábios de Maria, que exibiam um sorriso sereno. O dente de ouro do patrão brilhou revelando uma falha em sua boca, enquanto suas mãos nervosas tocavam o corpo da protegida à procura de vestígios de vida.
Ela respirava, sim. Suavemente, num sono tranqüilo, o corpo relaxado, um sorriso de consolo.
Nessa noite todos fizeram silêncio, deixando-a dormir. Ninguém teve coragem de interromper seus sonhos, certamente repletos de fadas e de seres encantados. Todos entenderam que ela havia recebido a visita do seu anjo.