Patricia foto tam.bom

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– Todos podem ser escritores?
– Existe o talento?
– Há inspiração?

            Muito se falou e se fala sobre a criação literária. Mas o que realmente importa e vale a pena falar?

Sou fruto da geração que, graças ao despertar em oficinas literárias, trouxe à tona um talento nunca antes revelado e reconhecido por si próprio. Mas o que vem me preocupando é o direcionamento de algo que só serviria a esse despertar, a um estímulo à criatividade adormecida, sugestões de estilo e maneiras de escrever. A oficina literária cumpre sua função até o limite iniciatório. A partir daí ela se torna, a meu ver, repetitiva e paralisante.

É preciso talento para ser um escritor, uma escritora de gênio. Mas também é preciso estudo e trabalho diários, incansáveis. No âmbito do estudo, se possível acadêmico. Todas as profissões exigem formação acadêmica – por que a de escritor não exigiria? O talento é o que diferencia o caminho que se quer tomar – teríamos um mundo repleto de médicos, advogados, engenheiros, se todos tivessem talento para tudo. E considero que a formação acadêmica impulsiona ao salto, a condição à obra de arte.

Mas, principalmente, é preciso amor. É preciso ser loucamente apaixonado pelo que se faz, não conseguir respirar um só instante sem pensar no que se lê, no que se escreve, ter como maior prazer, maior amante a literatura. Um sacerdócio.

Rainer Maria Rilke em Cartas a um jovem poeta aconselha o autor iniciante Franz Xaver Kappus a colocar a poesia acima de qualquer questão, inclusive da própria vida.
“Investigue o motivo que o manda escrever, examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?”
[1] Na arte da guerra, adverte-nos Maquiavel em O príncipe:

            “… porém, quando dependem [os príncipes] unicamente de si mesmos e podem empregar a força, então é raro que corram demasiados riscos.” [2]

Na solidão absoluta o escritor nasce. Por maior generosidade recebida em sua iniciação, o caminho é só e único. As angústias, pessoais e intransferíveis. O estilo não será imposto. E corre-se o risco, permanecendo indefinidamente em um ateliê literário, escravizar-se à voz do mestre, à maneira individual do mestre se expressar. E escrever.

Difícil resolução na sociedade do espetáculo em que vivemos, na necessidade suprema do reconhecimento. E grande coragem, a de criar asas e alçar voo solo, sem suportes para se apoiar, sem certezas, um passo de cada vez. O poeta mais uma vez nos socorre:

“… aceite o destino e carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.” [3]

Quanto à inspiração, deve-se estar preparado. Porque ela vem, ela existe. É matéria.

“Examinando os seus feitos e as suas trajetórias, não podemos concluir que da fortuna eles [os príncipes] hajam recebido mais do que a ocasião que amaterialidade de suas vidas ofereceu-lhes de poderem nela mesma introduzir aforma que lhes parecia justa. Sem esta ocasião, suas virtudes espirituais ter-se-iam perdido, e, sem essas virtudes, a ocasião haveria sido vã.” [4]

Tentando fazer valer o pensamento de que se nasce escritor, ou, parodiando Simone de Beauvoir, “se torna escritor”, com talento, estudo e trabalho diários, incansáveis.

E inspiração.
________________________

(1) Cartas a um jovem poeta, Rainer Maria Rilke, Editora Globo, p. 26.
(2) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, p. 29.
(3) Cartas a um jovem poeta, Rainer Maria Rilke, Editora Globo, p. 28.
(4) O príncipe, Nicolau Maquiavel, Editora L&PM, Coleção Pocket, p. 27.
Revisão Ortográfica: Ana Lucia Gusmão e Sandra Freitas
Ana Lucia Gusmão cursou Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, na PUC do Rio de Janeiro. Alguns anos depois, fez pós-graduação em Língua Portuguesa e há cerca de 10 anos entrou para a área editorial, fazendo revisão e copydesk para várias editoras cariocas. Contato:[email protected]

Sandra Freitas é formada em jornalismo pela PUC/RJ. Trabalhou sempre como redatora e revisora em jornais e agências de publicidade do Rio e da Bahia, onde morou durante muitos anos. De volta ao Rio, especializou-se em Língua Portuguesa pela Faculdade de São Bento e trabalha desde então para revistas e editoras cariocas. Contato: [email protected]

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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