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Tal como na história bíblica do pequeno Davi diante do gigante Golias, Papa Francisco, saído do “fim do mundo”, vem arremessando petardos contra o capitalismo. E não os atira a esmo. Mira-os bem na jugular. E fá-lo de maneira inteligente e genial, sabedor de que não basta constatar os problemas que afligem a humanidade e correr atrás dos prejuízos. É preciso ir às causas. Não só às causas eventuais e conjunturais, senão também e necessariamente àquelas mais profundas, universais, estruturais.
Com seu inconfundível sorriso de menino, sabedoria de um profeta amadurecido, humildade marcadamente franciscana e coragem sempre refeita diante dos desafios, o Papa não hesita em dizer o que precisa ser dito. Põe o dedo nas jugulares do sistema capitalista, que assenta suas bases em duas graves contradições: uma socioeconômica e outra socioambiental. A primeira, relacionada à exploração da mão-de-obra, ao trabalho precário, instável, escravo, às desigualdades, injustiças e exclusão social. A segunda, relativa à extorsão e destruição dos bens naturais, gerando com isso muitos problemas ambientais e distribuindo-os de maneira desigual na sociedade. Aos pobres, como sempre, os maiores impactos e aos ricos as maiores benesses.
Na recente visita a alguns países da América do Sul, condenou a economia do descarte, regra de ouro do capitalismo neoliberal. Na Bolívia, Francisco não mediu palavras. Foi contundente, ao afirmar que hoje “reina a ambição desenfreada de dinheiro, o que conduz a um planeta ignorante, envenenado com o ‘esterco do diabo’”. Ainda na Bolívia, durante o encontro com representantes dos movimentos populares bradou em favor dos direitos dos pobres: “Terra, teto e trabalho para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra”.
Advertiu para que os movimentos populares que lutam por direitos e dignidade humana não se acanhem. Antes sim, que sejam semeadores de mudanças. Que combatam a lógica da exclusão e da destruição da natureza. Sem rodeios, acrescentou: “Queremos uma mudança, real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável.” Propos substituir a globalização da morte por uma globalização da esperança. E convocou todos para três tarefas concretas: pôr a economia a serviço dos povos; unir os nossos povos no caminho da paz e da justiça e defender a Mãe Terra.
Há pouco também o Papa ecológico lançou a Encíclica Laudato Si. Nela, faz um apanhado bem fundamentado dos principais problemas que incidem sobre a humanidade. E diz que, entre os mais pobres está a Mãe Terra, saqueada e devastada até o limite. Denuncia o verdadeiro pecado original do ser humano, identificado com o desejo incontido de ser proprietário privado – e de modo acumulativo – dos bens da criação. Por isso, insiste tanto na ideia de que somos apenas usuários passageiros, terra ambulante e devemos cuidar da melhor forma possível da Casa Comum. Trata-se de um compromisso de todos, em todos os espaços e tempos.
Em lugar do capitalismo privativo e da mercantilização absoluta que vai corrompendo, arruinando, devastando, excluindo e matando igual rolo compressor, nosso Francisco adverte para o fortalecimento da ecologia integral. Para enfrentar o pecado capital e estrutural, convoca a todos para repensar os atuais modelos de desenvolvimento, de produção e de consumo. Fala com lucidez franciscana e voz profética sobre a necessidade de uma ecologia ambiental, econômica, social, cultural, enfim de uma aliança entre a humanidade e o ambiente. Aponta para outro estilo de vida capaz de superar o atual estilo de morte global.(21.07.2015)
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.