Frei Betto 15 de agosto de 2015

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Todos conhecemos pessoas que frequentam a igreja e, no entanto, se comportam de modo contrário aos valores evangélicos: tratam subalternos com desrespeito; sonegam direitos de empregados; discriminam por razões raciais ou sexuais.

Pessoas que enchem a boca de Deus e trazem o coração entupido de ira, inveja, soberba; são indiferentes aos direitos dos pobres; omitem-se em situações graves que lhes exigem solidariedade.

E temos à nossa volta, no círculo de amizades, pessoas ateias ou agnósticas que, em suas atitudes, transparecem tudo o que o Evangelho acentua como valores: amor ao próximo, justiça aos excluídos, solidariedade aos necessitados, partilha de bens etc.

O Catecismo da Igreja Católica, aprovado por João Paulo II, em 1992, e elaborado sob a supervisão do téologo Ratzinger, futuro papa Bento XVI, define a fé como “adesão pessoal do homem a Deus”. E acrescenta que é “o assentimento livre de toda a verdade que Deus revelou.” E a portadora dessa verdade é a Igreja.

Assim, só teria verdadeira fé cristã quem submete seu entendimento ao que ensina a autoridade eclesiástica (papa, bispos e pastores).

Devido a essa maneira de entender a fé, o que se crê se tornou mais importante do que como se vive. Criou-se uma ruptura entre fé e vida. A ponto de pesquisa na França, ao indagar a diferença entre um empresário sem religião e outro cristão, a maioria apontou um único detalhe: o segundo vai à missa de vez em quando. No resto, em nada diferem…

Para Jesus, quem tinha fé? A resposta é desconcertante. Em Mateus 8, 10, Jesus declara que o homem com mais fé que até então havia encontrado era um oficial romano, um centurião.

Ora, como Jesus pôde elogiar a fé de um oficial pagão? O episódio demonstra que, para Jesus, a fé não consiste, em primeiro lugar, naquilo que se crê, e sim no modo de proceder. Aquele pagão era um homem sensível, solidário, preocupado com o sofrimento de um servo.

A mesma atitude de Jesus se repete no caso da mulher cananeia, que também era pagã. A mulher pede a Jesus que lhe cure a filha. Diante dela, Jesus reconhece: “Mulher, grande é a sua fé!” (Mateus 15, 28). Grande, não por causa da crença da mulher, e sim por seu procedimento amoroso.

O mesmo ocorre no caso do samaritano hanseniano, curado em companhia de nove judeus (Lucas 17, 11-19). Os judeus, segundo suas crenças religiosas, se apresentaram aos sacerdotes, como recomendou Jesus. Já o samaritano, que não obedecia às prescrições das autoridades religiosas e não se sentia obrigado a submeter-se a elas, retornou para agradecer a Jesus, que lhe exaltou a fé: “A sua fé o salvou” (Lucas 17, 19).

Para Jesus, portanto, a fé, antes de se vincular a um catálogo de crenças, a uma doutrina, se relaciona a um modo de viver e agir.

Jesus, por vezes, duvidou da fé de quem estava mais próximo dele (Marcos 4, 40). Discípulos e apóstolos foram considerados “homens de pouca fé” (Mateus 8, 26).

Jesus fez a desconcertante afirmação de que prostitutas e cobradores de impostos terão precedência no Reino de Deus, e não os “exemplares” sacerdotes (Mateus 21, 31).

Isso deixa claro quem Jesus reconhecia como crente. Não propriamente quem aceita o que prega a religião, e sim quem age por amor, solidariedade e justiça, como o bom samaritano (Lucas 10, 29-37).

Ter fé é, sobretudo, viver de acordo com os valores segundo os quais vivia Jesus.

A Igreja está em crise. Suas autoridades culpam o laicismo, o relativismo, o hedonismo. Ora, será que as autoridades religiosas, e nós, frades, freiras, padres e pastores, não temos culpa nisso, por apresentar a fé cristã como verdades cristalizadas em doutrina, e não expressada em vivência?

Obs: O autor é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.   twitter:@freibetto.

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