No chamado mundo pós-moderno em que vivemos, os desejos passaram a desempenhar um papel inédito no direcionamento da vida das pessoas. Não raro, vemos psicólogos defendendo publicamente que as pessoas devem priorizar os desejos como elementos norteadores da vida, da realização plena. Por isso, resolvi falar sobre como o estudo do desejo também leva à existência de Deus. Vejamos.
Em primeiro lugar, reconheço desde já que este argumento não é como outros tantos a respeito da existência de Deus. Com efeito, enquanto muitos argumentos abordam a questão de forma bastante objetiva (mormente quando apresentam as provas para a existência de Deus relacionando-as com o estudo do Universo, da Vida ou da Moralidade), o que trataremos hoje exigirá de você, estimado leitor, uma honestidade muito grande consigo mesmo, já que trataremos de algo (o desejo) ao qual mais nenhum ser humano senão você mesmo tem pleno acesso.
- Tipos de desejos
Antes de chegarmos lá, é importante que esclareçamos que existem dois tipos diferentes de desejos: os naturais e os artificiais.
Desejos Naturais
Os desejos naturais são aqueles que todas as pessoas têm, que se originam a partir da nossa própria natureza e que necessariamente tem a capacidade ser satisfeitos por um objeto real.
Um exemplo clássico de um desejo natural é o de se alimentar para sobreviver. Veja que o desejo de se alimentar provém da nossa própria natureza, é presente em todos os seres humanos, e pode ser satisfeito por um objeto real externo: o alimento.
Da mesma forma, o ser humano sempre considera o não atendimento de um desejo natural como algo que atenta à condição humana. No caso do desejo de alimentar-se para sobreviver, entendemos que o não atendimento deste desejo configura a fome, um dos maiores males da humanidade.
Se analisarmos com honestidade, vemos que há muitos outros exemplos deste tipo de desejo. Não apenas desejos como o de comida, bebida, sono, mas também como o de buscarmos e desejarmos a beleza, a amizade, a satisfação profissional, etc. Todos são exemplos de desejos naturais que podem ser satisfeitos por objetos reais: uma obra de arte, uma pessoa de quem gostamos, uma atividade profissional a que somos vocacionados.
Por outro lado, temos os desejos artificiais.
Desejos artificiais
Os desejos artificiais são aqueles que variam de pessoa para pessoa, originam-se de elementos externos ao ser humano (a sociedade, o mundo da ficção, etc.) e nem sempre se relacionam a um objeto real.
Um exemplo de um desejo artificial que se relaciona a um objeto real é o de se ter o último lançamento do iPhone. Veja que há pessoas que fazem tudo para conseguir isso, enquanto outras não tem o menor interesse nisso. No que diz respeito à origem deste desejo, ele claramente não nasce conosco, mas é fruto do marketing, em grande medida, e também dos grupos sociais em que a pessoa está inserida.
Esses desejos artificiais podem também se relacionar a objetos não reais, como é o caso se uma pessoa que desejasse muito mesmo fazer parte das aventuras na terra de Nárnia (local fictício presente na excelente obra Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis). Embora o desejo exista, o objeto dele não é real, mas fictício.
- O argumento
Tendo esclarecido os dois tipos de desejo, devo dizer que é o desejo natural que nos interessa aqui para o argumento.
O grande ponto é que somente faz sentido termos desejos naturais que possam ser satisfeitos por algum objeto real deste desejo. De outra forma, não nasceríamos com este desejo (ou ele não seria natural).
Por exemplo, o espectro de cores que vemos é muito limitado. Apenas conseguimos ver as cores que variam entre duas frequências delimitadas pela natureza. Vemos do vermelho ao violeta. A cor de menor frequência do que o vermelho não é visível para nós, embora ela exista: o infra-vermelho. Da mesma forma, a cor de maior frequência do que o violeta, o ultra-violeta, não nos é perceptível. Embora vejamos um espectro tão limitado assim de cores, não sentimos o desejo de ver além desse espectro, pois nossa constituição física não permitiria isso.
Agora vem o ponto mais importante: a experiência da humanidade mostra que há um desejo inato no ser humano que nada a que este ser humano se submeta neste mundo pode satisfazer. Dessa forma, deve o objeto de satisfação deve estar fora do mundo.
Olha, é possível que muitos descrentes argumentem que eles não sentem este desejo. É aqui que chamo a atenção à questão da honestidade consigo mesmo. Veja que a história cultural, literária e artística da humanidade é trespassada por um conceito perene: existe uma angústia existencial no ser humano que muito não entendem o porquê e, por mais que se esforcem, só conseguem elaborar sobre o problema, trazendo novos ângulos deste sofrimento.
Da perspectiva do teísmo, esta angústia é fruto do afastamento de Deus. É que, quando alguns rejeitam Deus, o desejo que tem de comunhão com Ele não pode mais ser satisfeito por nada no mundo, e o que resta é a angústia decorrente deste afastamento e o intuito inútil de colocar algo no lugar que deveria ser ocupado por Deus.
Com efeito, a história intelectual ateísta se resume na tentativa sempre fracassada de criar Deus e dar conta dos problemas decorrentes da sua rejeição, como a crise de valores, por exemplo.
O mesmo autor das Crônicas de Nárnia, a que me referi acima, escreveu um livro sublime chamado Cristianismo Puro e Simples. Neste livro, ele apresenta de forma magistral o que estamos querendo dizer no nosso bate-papo de hoje. Veja ao que escreve C. S. Lewis:
As criaturas não nascem com desejos que não podem ser satisfeitos. Um bebê sente fome: bem, existe o alimento. Um patinho gosta de nadar: existe a água. O homem sente o desejo sexual: existe o sexo. Se descubro em mim um desejo que nenhuma experiência deste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui criado para um outro mundo. (…) Tenho de manter viva em mim a chama do desejo pela minha verdadeira terra natal, a qual só encontrarei depois da morte; e jamais permitir que ela seja arrasada ou caia no esquecimento. Tenho de fazer com que o principal objetivo de minha vida seja buscar essa terra e ajudar as outras pessoas a buscá-la também.
- Conclusão
Vimos, assim, que a constante presença da angústia existencial na história da humanidade é um indicativo fortíssimo que a experiência da vida não dá conta de um desejo inerente ao ser humano. Como desejos inerentes, natos, naturais são aqueles pressupõem a necessária existência daquilo que os satisfará, este algo não é deste mundo (ou seja, não é material, temporal ou espacial).
No Cristianismo, esta abordagem é tão direta que temos aqui a única religião do mundo em que não se vai até Deus após a conversão, mas sim que Deus vem até a pessoa para ocupar este espaço do desejo. De acordo com o Cristianismo, Deus em espírito vem a habitar naquele que não o rejeita e, portanto, somente Ele é capaz de dar sentido à experiência de viver na Terra sentindo falta do Céu.
Obs: Imagem enviada pelo autor.