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E foi assim, imersa numa emoção incontrolável, que eu,  a mesma Inez que rejeitara a idéia da missa das 23h nas ruínas, fui a primeira a me dirigir ao altar. E lá estavam, num despojamento digno do presépio, os moradores locais, arranjando com suas próprias mãos um altar improvisado, preparando com alvas toalhas,  sem maior requinte  que o da própria singeleza, o cenário onde o Bispo presidirá o culto.

Vejo que as pessoas vão chegando, trazendo cada qual sua cadeira de armar e as vão  dipondo no enorme saguão. Não tendo cadeira, me aproximo  um tanto deslocada, ao ver um casal na primeira fila, com um bebê. A família me atrai e, conversando com eles, logo fico sabendo que o bebê – Gabriel – hoje com 5 meses de nascido, foi parido aos 6 meses de gestação e sobreviveu quase por milagre. Ele será o Menino Jesus da missa, que reviverá a cena do Natal, me contam seus orgulhosos pais.  E, em seguida,  me oferecem seus lugares, já que protagonizarão Maria e José, na frente do altar. E lá estou eu, uma vez mais, comodamente sentada no melhor lugar da platéia, agora para participar da missa da passagem do ano.

Impossível descrever essa missa! Conto-lhes apenas que um céu maravilhoso, totalmente límpido, com milhares e milhares de estrelas brilhantes e ostentando uma graciosa e exultante lua crescente era a abóbada do templo, aberto ao mundo!  O canto dos cantores locais, puxado pela música de violões pampeiros, trazia versos que incluíam a Fala Sagrada do povo Guarani! O dirigente da missa, o bispo Dom Estanislau, com a doçura de um sábio ancião, vestes brancas como as de Oxalá, acompanhava, cantando, recitando, doando afagos e sorrisos, cada movimento  dos assistentes da liturgia e dos fiéis. Durante toda a prática, a lembrança do trabalho, da dedicação e da força do ancestral povo Guarani foram exaltados e tratados com gratidão e admiração imensas.

Quem resistir pode? Eu, certamente, não e, educada nos preceitos cristãos, ainda que dispersa muitas vezes, sempre aberta à idéia de um possível ecumenismo, senti-me orgulhosa de minhas origens religiosas!

À saída nos envolve uma fala tão maravilhosa, vinda através da amplificação das caixas de som, que me dirijo ao ponto onde está o microfone, para saber da autoria de tal texto. Última surpresa da noite: quem discursa, exortando-nos ao respeito e ao cultivo das mileranes tradições de nossos antepassados indígenas é uma jovem professora (Simone Fontana) e o faz de improviso! Fala Sagrada, vinda, sem dúvida, do pai verdadeiro primeiro, Nhamandu e soprada em seus ouvidos, pelo merecimento da pureza que ela conserva na alma.

Por que haveria eu de segurar meu pranto, que brota copioso, se ele é de puro prazer, de alegria, de reconhecimento e gratidão por tanta magia?

É meia-noite! Estouram, ao longe, os fogos que iluminam o sítio da Redução de São Miguel e eu vejo sua chuva de cores anunciando um novo ano. Talvez o povo do Arco Iris, cuja chegada é anunciada na escritura de nossos mitos, já esteja de fato por aqui, se eu posso senti-los, guiando meus passos.

 

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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