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Tudo o que se passa desde então é corretamente simples. Mulheres benzedeiras oferecem suas preces a quem as queira receber  e vão, por cada um, carinhosamente, pedindo graças, abençoando, exortando sofrimentos, saudando dons! São três as rezadeiras  e aos cuidados de todas  me entrego, desejando mais que tudo estar em comunhão com sua fé, fazê-la minha também, ao pé da cruz missionária que, diferentemente da cruz do sacrifício de Cristo, ostenta 2 braços parapelos, perpendiculares à haste central, evocando, penso eu, o cruzamento das culturas que se mantêm distintas por   único eixo: o mistério do encontro existencial possível!

Dá tempo ainda de assistir às brincadeiras dos curumins, totalmente integrados à natureza, deslizando seus corpos saudáveis através do tronco de uma grande árvore, tal qual ágeis lagartos, ou acomodando-se em buracos no chão, confortavelmente, como parte da própria terra, rindo um riso solto e cristalino e encenando, em jogos infantis, atos inteiros de histórias fantásticas. Tocam-se com delicadeza, mesmo quando simulam ataques. Escolhem, no chão, gravetos finos, para usarem como armas e assim experimentam  o dominar ou o ser dominado, sem se machucarem, sem dor, sem choro. Correm, saltam, com graça e desenvoltura, tanto os maiores (de cerca de 13 anos) como os bem pequenos (de pouco mais de dois anos), numa harmonia surpreendente, que dá, por si só, uma lição pedagógica de fazer inveja ao recreio  de qualquer de nossas melhores escolas! Aqui, as mães e as avós assistem, zelosas, de longe. Não se aproximam. Não comandam. Não ralham. Nem é preciso que o façam.

Anoitece, quando vejo o grupo indígena se recolher, atravessando o campo, mães e filhos, em direção a uma Casa de Passagem que é mantida ao fundo do sítio, para abrigar os índios  quando estão fora de sua aldeia, a trabalho. Vão saindo de cena, quase desapercebidamente, enquanto chegam mais visitantes para a continuação da festa.

O Espetáculo de Som e Luz é o segundo ato preparado para os festejos da passagem de ano. E  me dirijo para o local indicado, depois de vagar daqui prali, observando o mais que posso, buscando ampliar minha visão, tentando “sondar”, como diriam os antigos, mesmo que aspirando tão somente as emanações do ar… As arquibancadas de pedras já estão tomadas, quando chego. O único lugar vago, que localizo sem dificuldade, é o melhor deles, o mais central:  na primeira fila, justamente em frente ao portal principal da Catedral – a poltrona nobre!

Dali, vou viver a emoção dos versos maravilhosos de uma autor que não é identificado, recitados em gravação feita pelas vozes de atores consagrados do teatro brasileiro, que se ampliam pela conjunção com os efeitos de luz nos prédios, nas árvores, no fundo… Não dá pra descrever o que acontece, maior, muito maior, sem dúvida do que a montagem cênica. O certo é que volta, de dentro de mim, a força da nação Guarani! Volta sua dor, sua coragem, sua alma!

A Secretária  Municipal Turismo, Desenvolvimento e Cultura,  Marcia Reck da Silva,  uma mulher jovem e incrivelmente lúcida, me dirá, depois, emocionada com nosso encontro, que todas as inúmeras vezes a que já assistiu esse espetáculo, sente, dentro dela a presença do herói indígena – Sepé Tiaraju  – aquele que,  morto na batalha que culminou com a  expulsão dos indígenas e dos jesuítas das terras de São Miguel – gritou destemidamente:

– Eu quero viver!

– Esta terra tem dono!

Era ele que estava a minha frente. E seu grito mantem-se ainda tão pertinente!!!!!

Como desejei, naquela noite, que nossa presidenta,  identificada com a força patriarcal destrutiva e   ainda tão distante da força matrística criadora e preservadora, estivesse ali, a meu lado! Como queria ter podido alertá-la sobre a semelhança cruel entre as ações devastadoras que vêm sendo planejadas e praticadas para construcão das famigeradas usinas e  a sede de conquista dos portugueses e espanhóis,  que no passado se negaram a reconhecer o direito dos indígenas de viverem em harmonia com sua terra natal! Passados quase 300 anos, a ganância e a estupidez continuam a comandar os donos do poder! Inacreditavelmente cegos, os desgraçados continuam a esmagar seus irmãos indígenas, porque não os reconhecem, não são capazes de vê-los, porque não suportam se ver neles.

(continua)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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