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ÉTICA EM SITUAÇÃO DE CONFLITO

Uma mãe solteira desempregada, com quatro filhos pequenos, entrou num supermercado e levou um pacote com um quilo de feijão. Estava sem dinheiro e seus filhos estavam dois dias sem comer. Na saída foi descoberta por um segurança e presa. Será que ela cometeu um crime? Sim e não!

De acordo com os valores da ética, prevalece o direito à vida de seus filhos, pois sem alimento as vidas se acabam. Dizer que ela poderia pedir, em vez de levar escondido pode ser uma ideia brilhante para quem está de bem com a vida. Certamente que o dono do supermercado teria prejuízo, mas onde está o crime e quem pode ser o réu neste caso? Não é fácil a resposta, afinal, a defesa da vida é mais urgente que o direito à venda do produto no comércio.

Já não se pode dizer o mesmo diante das grandes empresas exploradoras de minérios e do agronegócio na Amazônia. Todas são beneficiadas por uma lei injusta, chamada lei Kandir, que isenta do pagamento de imposto de exportação as empresas que extraem produtos primários e semi elaborados da região. Seus donos se defendem por estarem de acordo com a lei Kandir. Enquanto elas exportam milhões de toneladas de produtos e faturam bilhões de reais de lucro, o Estado do Pará perdeu cerca de 20 bilhões de reais, desde a criação da lei em 1996. Até que ponto essa lei é ética?

O fato de ser legal não significa que seja legítima uma decisão. Neste caso dos produtos extrativistas, a isenção de imposto de exportação, enquanto aumentam os lucros de poucos, exportações protegidas pele lei Kandir prejudicam a administração do Estado, onde a educação,  a saúde, o bem estar de 8 milhões de habitantes ficam altamente prejudicados. A mãe faminta foi presa por tirar sem pagar um pacote de feijão. Ela violou a lei do comerciante, enquanto os empresários beneficiados por uma lei injusta estão soltos e gozando os lucros da exportação de produtos isentos de impostos.

A ética convive com questões de justiça individual e social. Não vale apenas o conceito de que o meu direito vai até onde começa o direito do outro, no sentido individual. O coletivo tem peso importante no julgamento de conflitos. É o caso das greves. Nestes dias, há uma greve dos educadores estaduais, alastrada em cinco estados brasileiros. Há mais de 40 dias crianças e adolescentes estão sem aulas por causa das paralizações. Os governadores dos cinco estados não arredam pé, recusam  cumprir os direitos justos dos educadores. Quem está violando a ética? Na escala dos prejudicados são primeiramente as crianças e adolescentes, em seguida aparecem os educadores, pois seus salários são baixos, as escolas inadequadas e o plano de cargos e salários é ignorado pelos governantes. Nessa linha de pensamento, os governadores é que estão violando a ética e são os criminosos. Curiosamente, alguns juízes penalizam os grevistas e não punem os governadores.

Ao condenarem os grevistas na defesa dos estudantes, os juízes estão acobertando a falência da educação, já que não obrigam os governadores a darem prioridade à educação no orçamento estadual. A responsabilidade maior do juiz não é cumprir a lei, mas cumprir os valores da ética. Tudo indica que no Brasil se dá mais importância às leis do que aos valores da ética, por isso, uma mãe faminta vai ao presídio por retirar um pacote de feijão do supermercado, enquanto outros andam tranquilos nas ruas, mesmo se beneficiando de leis injustas como a lei Kandir, entre outras.

Obs: Coordenador da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Santarém (PA) e membro do Movimento Tapajós Vivo.

Autor dos livros: Amazônia: o que será amanhâ? (Vol I e II) e Uma revolução que ainda não aconteceu

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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