Em um domingo ensolarado fomos passar o dia em casa de um compadre nosso, no engenho Outeiro de Pedro, no qual ele era administrador. O engenho se situava a uns 3 km de nossa casa, que ficava localizada na escola agrícola aonde residíamos. Já tínhamos vivência de vida no campo, mas o engenho era diferente. Para nós uma diversão, pois tínhamos muito o que ver, tudo muito pertinho da gente; curral, canavial, local onde as canas eram moídas, para fazer a cachaça, casa de farinha espaço que curto muito e que me faz lembrar a minha infância, pois sociologicamente diz muito da vida em família e em sociedade, é uma atividade em que todos trabalham, crianças e adultos. As tarefas mais simples são das crianças e das mulheres, raspar a mandioca. Mamãe me lembrou do detalhe ao raspar a mandioca. Eram necessário duas pessoas, uma raspava a metade e a outra, com a mão limpa a outra metade. O avô de mamãe tinha casa de farinha. Passar a mandioca no rodete era uma tarefa extremamente perigosa, peça cheia de dentes e que é ligada a um motor que o fazia girar velozmente. Nas casas de farinha aonde não havia luz elétrica, o rodete era ligado a uma roda grande, com uma corda que partia dela, até o rodete e a medida que a grande girava, impulsionada por dois homens o rodete funcionava. Para utilizá-lo é preciso muita atenção, pois qualquer distração o acidente é inevitável, a mandioca é colocada com a mão. Fazer farinha é quase uma festa, cantam, se divertem e quando a farinhada termina, tem a partilha, de acordo com a participação de cada um, com o trabalho e com a quantidade de mandioca que cada um trouxe. No geral a farinhada como é chamada, é sempre feita entrando pela noite, dando assim um ar bucólico, muitas vezes iluminada por candeeiros, que na Bahia se chama “FIFO”. É sempre regada a um cafezinho quente, tapioca, iguaria feita de goma, sub-produto da mandioca, bem como dos mais variados tipos de beiju: de côco, assado debaixo da farinha e o sequinho, é o que mais gosto, com uma manteiga é uma delícia. Nunca tive oportunidade de participar de uma farinhada, porque era feita nas redondezas da escola e no geral pelo pessoal mas simples, agricultores e também pelo fato de entrar pela à noite. Vi os homens mexendo a farinha, outros prensando a massa que sai do rodete e umas mulheres e crianças raspando a mandioca e outras mulheres colocando a mandioca para passar no rodete. A casa de farinha é um bem economicamente caro, congrega muitos para obter o produto final, a farinha. É assim composta de: rodete, prensa e forno a lenha. Hoje existem casas de farinha modernas, totalmente industrializadas. A poesia de fazer farinha está nas casas antigas, como em tudo o que é simples e manual. O pessoal mais simples alugava a casa de farinha, pagavam o aluguel com a própria farinha, pois o dinheiro só viria depois da venda da mesma.
É claro que naquele domingo não estavam fazendo farinha. Andamos a cavalo, nos divertimos bastante. Fomos presenteados com um lauto almoço. Comentando com mamãe, disse-lhe que do almoço só lembrava da forma como foi servido o arroz. A filha mais velha da casa estava ajudando a mãe, como soe acontecer. Então ela colocou o arroz em uma forma de bolo, pressionou e virou em um prato de bolo, achei lindo. Foi servido peru guisado, criado no quintal, delicioso, salada, feijão verde e uma farofa de farinha amanteigada. Comida típica da zona rural, muito gostosa.
O grande detalhe daquele dia maravilhoso, foi a volta para casa à noite, pois só saímos depois da ceia. Voltamos em um carro de boi, transporte que adorávamos. Tínhamos o hábito de pegar carona nos carros de boi que passavam em frente a nossa casa. Quando escutávamos o rangido das rodas, corríamos ao seu encontro, pedíamos permissão ao carreiro, o condutor do carro de boi, e vínhamos até em casa. Certa vez o carreiro não parou lá em casa, ou seja, não diminuiu a velocidade, saltei do carro e os meninos menores, meus irmãos, não conseguiram, fiquei louca, sai correndo atrás pedindo para ele parar, o medo era que ele levasse os meus irmãos. Tudo isso era uma festa e acontecia nas férias, no período de aula não tínhamos tempos para essas peraltices.
Aquela viagem foi inesquecível, compadre Oscar mandou colocar um colchão no carro, candeeiros nas extremidades e seguimos de volta para casa. A lua cheia brilhava no céu. Cantamos todo o percurso. O canavial a balançar com o vento, era o nosso guardião, nos dois lados da estrada. A beleza daquela cena era de fazer inveja aos grandes pintores. Sinto saudade e até me emociono quando lembro. (Abril/2015)
Obs: Suely Telma Vieira Costa ( Lila Costa) é Membro da Academia Escadense de Letras – AELE e da Academia Morenense de Letras e Artes – AMLA.