Papai nasceu em Primavera, Mata Sul de Pernambuco, filho de pais músicos e avós também, não podia ser diferente, logo cedo começou a dar sinais que tinha tendência para música. Um dia muito pequeno sentado à porta da sua casa, vendo literalmente a banda passar, e acompanhando o compasso com o pezinho, demonstrando aí que seria um bom músico. Um dia ou dois depois seu pai tentava tocar o dobrado e não se lembrava da melodia, perguntou a papai como era mesmo meu filho um dobrado e papai cantarolou, o meu avô ficou encantado.
Quando papai tinha uns seis anos, meu tio seis anos mais velho que papai, já tocava violão bem e não deixava papai pegar, tocar no instrumento, pois tinha medo que ele muito pequeno que era o quebrasse. Papai muito esperto, aproveitou as férias do meu tio, que foi passá-las fora, em casa de uma tia sua, então convenceu a sua mãe, a nossa avó “mãe Nena” , ela cedeu, fez papai prometer que teria todo cuidado e assim aconteceu: acabava de nascer um músico, papai começou a tocar as músicas que Tio Lalá tocava e outras mais. Quando tio Lalá (Lazáro) chegou das férias ficou meio enciumado e bastante surpreso. Papai tinha um ouvido excelente.
Papai era uma pessoa dotada de muitos dons artísticos. Além da música que foi o que aflorou primeiro, como profissão se dedicou as artes relacionadas ao couro, fazia, selas e arreios para cavalos, sapatos, sandálias como ninguém. Os sapatos do casamento de mamãe e as sandálias de usar no quarto também foram confeccionadas por papai. A primeira sandália que calcei, com um ano e pouco, foi feita por ele, razão porque até hoje gosto muito de usar sandálias, tenho dificuldade de usar sapatos,pois me encomodam bastante. Mamãe conta que ao usá-las não quis calçar meias, pois queria que no retrato aparecessem as pontas dos dedos. Mamãe estava nos preparando, pois o fotógrafo ia lá em casa tirar o nosso retrato. Na época, a nossa família era composta apenas de papai, mamãe, Heber e eu, Sônia aparece apenas no volume da barriga de mamãe. Nós já morávamos em São Bento, a Escola Agrícola onde papai trabalhava e que foi para lá por ser possuidor das duas profissões: músico e sapateiro. Inicialmente foi substituir o mestre de música, Prof. Alcântara que estava doente, por coincidência morava também em Moreno, cidade onde papai conheceu mamãe, casaram e nascemos, Heber e eu. A doença do Prof. Alcântara se agravou e ele não pôde mais voltar. Aconteceu que o responsável pela oficina de couro também precisou se ausentar. Ficaram estas duas lacunas no quadro de funcionários da repartição, Dr Rodolfo de Morais era o diretor naquela altura, ficou bastante preocupado, como conseguir substituto para aqueles profissionais? Consultou os funcionários e um deles, que conhecia papai, Antonio “Marituba”, disse: Dr. Rodolfo: conheço um moço que é detentor das duas profissões, então Dr. Rodolfo determinou que Antonio fosse imediatamente buscar papai. Papai aceitou o convite com uma condição, dar continuidade ao seu curso de prótese dentária que fazia em Recife às sextas-feiras. Dr. Rodolfo aceitou a exigência, papai começou imediatamente a trabalhar, um dia depois do aniversário de mamãe, 15/04/1952.
Quando chegamos para morar em São Bento, Heber tinha dois anos completos e eu 9 meses. Lá nasceram os outros quatro filhos: Sonia, em maio de 1953, Sílvio em outrubro de 1954, Sandra em janeiro de 1956, falecida em setembro de 1974 e Sanclair em junho de 1957, como vêem um família de bom tamanho. Em São Bento crescemos em “tamanho e sabedoria “, local ideal para criar os filhos, livres de todos os medos, não tinha ladrão, assaltante, estuprador e seqüestrador, era um verdadeiro Shangri-lá. Tínhamos, casa boa para morar, água encanada, luz elétrica, de motor, depois de Paulo Afonso, a inauguração da luz elétrica gerada pela Usina de Paulo Afonso, foi um grande acontecimento, o diretor da escola, os senhores de engenho da região e demais autoridades ligaram a chave dando início aquela maravilha. Apiário, Aviário, horta e açougue, nos proporcionavam, verduras, ovos, mel, carne, tudo de boa qualidade e preços acessíveis. Mas o que tínhamos de melhor era o ensino, a educação, tanto a escola primária, de muito boa qualidade, bem como o ginásio e curso técnico agrícola, que não podia fugir a regra, eram excelentes.
Todo aluno do colégio que tocasse qualquer instrumento musical ou cantasse este tinha acesso livre lá em casa. Tínhamos serenatas, grandes encontros musicais. Nossos amigos e parentes sempre iam nos visitar levavam pessoas que tocavam, então os saraus eram frequentes. A nossa casa era uma constante festa, cheia de música e alegria. Tempo bom!!!