Djanira Silva 15 de junho de 2015

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Pedem-me para escrever sobre os encantos da velhice. A mesma voz que dizia à criança: não vá para aquele canto, fique naquele canto, diz e repete a mesma coisa. Os encantos onde estão?

Nos joelhos, o cansaço de ajoelhar na igreja, ou nas quedas no meio da rua e nas calçadas. Então escolho o meu canto. Não é um canto melodia que possa encher o ar de notas harmoniosas com os toques mágicos da música.

 É o meu canto, o lugar que herdei do tempo.

 O que me aborrece nos velhos de agora é que a maioria não aceita a passagem do tempo, ou, para deixar de ser eufêmica – a velhice. É uma agonia, uma revolta que, na verdade, não leva a nada. Falo nos velhos de agora bem diferentes dos nossos avós. Subiram a vida com calma e com a mesma calma, naturalidade e sabedoria desceram. Inventa-se de tudo para enganar a velhice. Valerá a pena brincar de viver?

 São remédios, plásticas, exercícios, conselhos, raízes, sementes, o diabo a quatro e ainda não vi ninguém voltar a ser criança. Os remédios intoxicam, as plásticas deformam, os exercícios acabam de desarticular o que já está mal articulado, as raízes são inócuas e até venenosas e as sementes entopem o intestino. E o velho? Cada vez mais velho. Tentando driblar a velhice, as mulheres violentam a natureza. A impressão que se tem, em determinadas reuniões, é a de que estão clonando as idosas. De repente estamos diante de um rebanho de Dollys. Modificadas ou não, serão sempre idosas e perdem até as referências. Outro dia li esta notícia em um jornal: no acidente morreu uma criança, uma mulher e uma idosa. É isto aí.

A vida é uma plantação. Os frutos? Somos nós. Pode parecer uma premissa besta. Eu lá me importo. Que seja. De besteiras é feita a vida.

 A natureza, incluindo os animais, tem grande similaridade com o ser humano. Este também nasce, cresce dá frutos. Todos passam por vários estágios. Quando as flores nas árvores caem, antes de se transformarem em frutos, são abortos, vidas que não chegaram a termo. Se pequenos frutos se desprendem do pé antes do tempo, são como os seres que morrem ainda crianças. Os que passam por todas as fases, amadurecem, caem ou são colhidos. Alguns, nem caem, nem amadurecem. Permanecem agarrados aos galhos – ou à vida – e ali mesmo, bichados apodrecem e apenas servem como adubo. Será ou não a nossa vida assim? Quantas safras já foram colhidas? Quantos frutos caíram antes do tempo? Quantos nem chegaram a nascer?

 Nem sei como me classificar. Será que vou cair de madura ou já passei do tempo?

 Espero não bichar.

 Há tempo de semear e de colher.

 Nasci. Passei do deslumbramento ao susto, ao medo do desconhecido.

 Um dia me ensinaram que para morrer, basta estar vivo.

 Espero que nascer seja ressurreição.

Obs: Texto do livro da autora – Doido é quem tem juízo –

 

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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