Nas mudanças de marés, durante o alinhamento astral da lua cheia que antecede o equinócio de outono, o mar invade o continente rumando no contrafluxo de suas veias fluviais, elevando-se na forma de onda em localidades encantadas.
Tal qual os astros, as criaturas terrenas também se alinham à natureza suprema. Os animais se afastam das margens, os ribeirinhos recolhem suas embarcações e crianças, os surfistas remam sobre as rasas bancadas de areia, e os fotógrafos se colocam à beira dos barrancos e trapiches.
A espera é de um silêncio ensurdecedor. O tempo não para, mas a paisagem, parece que sim… É como se o rio parasse de fluir por demorados minutos.
São apenas duas ondas. Uma de dia, outra de madrugada. Ambas se anunciam por um estrondo longo e longínquo, que atinge os ouvidos antes que os olhos percebam qualquer alteração no quadro estático da interminável expectativa.
Rapidamente, o cenário se transforma, e um alvoroço toma lugar onde só havia uma serena ansiedade. Aves se exibem em ligeiras revoadas, olhares inquietos surgem nas janelas, surfistas e fotógrafos se acotovelam com seus respectivos semelhantes, em busca da melhor posição.
Toda a atenção concentrada naquele instante. Não se pode errar. Nem os surfistas, nem os fotógrafos. Afinal, é a única onda do dia. Outra, só de madrugada, mas esta pertence às entidades que habitam o rio e a floresta. Um dia inteiro, ou melhor, um ano inteiro, culmina com a passagem daquela massa de água e espumas revoltas, à qual se harmoniza todo o universo.
Como um andarilho que pede apenas um copo d’água e vai embora, a onda segue seu rumo rio acima. Nesse percurso, desaparece e ressurge em outras localidades encantadas. À exceção das águas, agora agitadas, nada muda. A vida ribeirinha volta a seu curso normal. É hora do almoço. Os surfistas, habitantes dos mares, retomam sua hibernação anual, despertando somente na ocorrência de um novo alinhamento.
Na solidão da sala escura, o fotógrafo liberta os fragmentos de luz aprisionados em sua câmera, gravando em sais de prata aqueles momentos fugazes. Para sua (in)grata surpresa, estrelas negras, invisíveis aos olhos, revelaram-se na película atacada pelo mesmo tempo implacável que dissolve cada instante efêmero.
Enfim, essa é a imagem que se eterniza. Minha memória em cores e calores se desfaz a cada dia que passa. A lembrança que tenho agora e sempre é a das cenas salpicadas de estrelas negras adormecidas em um rolo de filme vencido. Era o único filme que eu tinha. Era a única onda do dia.
Obs: Fotos de Wagner Okasaki