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            Nesse momento em que, sob a inspiração do papa Francisco, o Vaticano aceitou abrir os processos de canonização para reconhecer como exemplos de santidade figuras como Dom Oscar Romero, Dom Helder Camara e Dom Luciano Mendes de Almeida, em um encontro de teólogos alguém comentava que poderiam também abrir esse processo em relação a Dom Tomás Balduíno, cujo primeiro aniversário de falecimento comemoramos agora no dia 02  de maio. Entretanto, alguém que não é de Igreja, respondeu sem hesitar: – Dificilmente, fariam isso com Dom Tomás. É um santo humano demais…

            De fato, qualquer pessoa que, como eu, conheceu esses personagens aqui citados, pode testemunhar que todos eles foram, ao longo de suas vidas, tanto em suas ações, como nas palavras, exemplos de santidade, justamente por terem realizado de modo exemplar sua vocação humana. Tanto Dom Romero, como Dom Helder, Dom Luciano e Dom Tomás foram antes de tudo pessoas de profunda humanidade. Tiveram todos como critério de vida ser humanos como o seu mestre,  o profeta Jesus de Nazaré. Souberam ligar fé e vida, missão evangelizadora e dedicação às mais nobres causas do povo empobrecido na caminhada da libertação. Dom Oscar Romero recebeu a graça do martírio e deu a vida pelo evangelho vivido na defesa dos mais pobres de El Salvador. Os outros três viveram o martírio, não tanto pelo modo como morreram, mais pela sua forma de viver o testemunho do projeto divino no mundo. Dom Tomás viveu isso como frade dominicano,  missionário no sul do Pará e depois como um bispo que orientou não somente a diocese de Goiás, mas a Igreja Católica de todo o mundo a se consagrar inteiramente ao serviço da libertação e promoção humana dos povos indígenas,  dos lavradores e de todos os oprimidos do campo e da cidade. E fazia isso com tal entusiasmo e convicção que só podiam vir de uma profunda adesão interior ao Evangelho de Jesus.

            Tornou-se bispo em 1967, logo depois do Concílio Vaticano II e em plena preparação para a 2a Conferência do episcopado latino-americano em Medellín (1968). Esse trabalho feito pelos bispos em Medellín de traduzir o projeto de renovação eclesial proposto pelo Concílio para a Igreja da América Latina e avançar mais no sentido de tornar a Igreja um instrumento de serviço à causa dos mais empobrecidos o apaixonou e se tornou a motivação fundamental de todo o seu ministério, desde que era prelado em Conceição do Araguaia até o seu último suspiro, no ano passado, em Goiânia.

            Com essa energia, junto com Dom Pedro Casaldáliga, em 1973, em plena ditadura militar, Dom Tomás liderou os bispos do Centro-oeste para redigirem e assinarem o documento profético: “Marginalização, grito de um povo”. Na mesma época, foi um dos fundadores e pioneiros do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e poucos anos depois da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Era o bispo brasileiro de referência para o movimento Fé e Política, do qual nunca perdia nenhuma assembleia, assim como o entusiasmava as reuniões anuais que um grupo informal de bispos, coordenados pelo CESEP, realiza uma vez por ano, não para organizar a pastoral, mas simplesmente para estudar e aprofundar uma linha de ação comum a várias Igrejas.

            Já idoso e com saúde abalada, esteve duas vezes comigo na Venezuela para apoiar o processo bolivariano e testemunhar que a fé cristã nos leva a apoiar todo percurso que favorece a justiça e promove os mais pobres. Era a continuidade de um caminho que, em 2007, o fez participar da peregrinação que nos levou a Valle Grande e ao coração da Bolívia, onde havia 40 anos, o comandante Che Guevara havia dado a sua vida para transformar o mundo.

            Quem conheceu mais profundamente Tomás sabe que toda essa incansável dedicação às causas sociais e políticas era alicerçada em uma espiritualidade alimentada pela oração e pelo gosto dos salmos. Já nos anos de juventude, ele adaptou alguns cânticos bíblicos como o Cântico das Criaturas para serem cantados em uma velha melodia das santas missões populares. E já no leito de morte, prefaciou com amor um livrinho sobre 50 salmos traduzidos de forma a serem saboreados melhor pela juventude de hoje.

            Ao amigo que se perguntava sobre sua canonização, alguém respondia que, em um modelo de Igreja definido pelo Concílio e por Medellín, defendemos que a santidade é vocação de todo o povo cristão e esse sempre sabe, independentemente de processos canônicos, discernir os santos e santas que lhe servem como exemplo. Agora, um ano depois da sua páscoa, sentimos a presença de Dom Tomás entre nós, como um santo do povo, doutor da Igreja, movido pelo amor solidário e que, com a força de sua profecia a serviço da vida dos mais empobrecidos, nos arrebata consigo para os caminhos do Espírito.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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