Jose-Albertoatualizado

Ex-Director do INETI (Coimbra)
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Esvai-se-me o corpo de sangueira, enquanto a alma se enche de cadilhos, ao ver a União Europeia e o meu país inundados de uma descrença que hiberna num prolongado inverno de apatia, quem sabe se enxertado de corrupto deleite.

O nível de pobreza atingiu valores impensáveis, as filas para adquirir alimentação gratuita fazem lembrar as que, no tempo do Estado Novo, se faziam para adquirir a sopa dos carenciados, enquanto os dados estatísticos do INE revelam que as percentagens de pobres e de ricos aumentaram, ao mesmo tempo que a classe média se desintegra, arrastando a sociedade portuguesa para uma situação alarmante, de dimensão ainda não conhecida. Diminuímos as desigualdades ajustando por baixo, facto que aprofunda o fosso entre ricos e pobres. Cavaco Silva assegurou aos órgãos de comunicação social que não tem conhecimento algum relativo a novos cortes nos vencimentos da Função Pública e nas reformas e pensões, enquanto a incerteza relativamente ao futuro se adensa sobre a cabeça da esmagadora maioria dos portugueses. Cerca de 45% da população corre o risco de pobreza.

Por tudo isto um pouco, não é de admirar que a esperança tenha virado ave sem penas, perdida num fluxo migratório desconcertado, enquanto o mundo, livre do efeito da gravidade, parece ter deixado de girar ao redor de um eixo de excentricidade estável, por mor do fenómeno da globalização. Aliás, se Deus ou a Natureza quisessem ter erguido um mundo globalizado, não o tinham feito com profundos vales e altas montanhas, cujos picos sobrelevam as nuvens, nem com fundos de mar mais profundos do que a altura do Evereste, ou tão pouco aceitariam que o evolucionismo vencesse o criacionismo e que a espécie humana se diferenciasse em raças. Deus ou a Natureza teriam erguido o mundo sob a forma de um planisfério monocolor gigantesco, onde as leis da gravidade não tinham poiso, onde o enigma universal se desfazia na exiguidade da planimetria, onde o espírito de Newton, de Kepler, de Darwin, de Einstein e de tantos outros não teria lugar, como não o teria a “Jangada de Pedra” de Saramago, por ser demasiado banal.

Os tempos estão mesmo mudados e não voltam para trás. Quando a mudança é lenta, o povo pensa que tudo está na mesma, mas quando a mudança é veloz, o povo fica alumbrado. E neste país, está tudo mudando demasiado depressa, enquanto os políticos fingem não notar a diferença. Dum jeito ou do outro, o ganho dos políticos está sempre garantido, pelo que não é de admirar o recrudescimento da popularidade dos extremismos de direita ou de esquerda, veja-se, a título de exemplo, a aura de Marie le Pen em França. Não há dúvida de que o Céu tem mesmo razões de sobra para andar de luto carregado.

Dizem-nos, constantemente, que é preciso dar tempo ao tempo para atingir a felicidade. Contudo, quando o tempo requer mais tempo para prosseguir a tarefa de salvar o mundo, a vida vai-se afogando na anabolia da redenção que drena por entre os interstícios das preces e dos sonhos mais comezinhos. O pior é que, nas sinuosidades e nos esconsos labirintos do destino, continua a restar o determinismo, no qual não se pode confiar, tal como acontece em relação aos políticos. De facto, o caminho da política mostra que todo o chão é ratoeira. Acreditar no futuro só mesmo pela mão divina. Infelizmente, há muita gente que duvida. Já não me lembro do nome do autor da seguinte frase: «Se o mundo fosse coisa de agrado, Deus andava entre a gente, em vez de estar a guardar o céu». É matéria que baste para refletir sobre o presente e o futuro de Portugal.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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