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É domingo. Dia de passarinheiro levar passarinho pra tomar sol na gaiola.

Pelo menos é isso que me vem à cabeça, quando encontro vários homens levando gaiolas daqui pra  ali, algumas cobertas, umas carregadas na carona da bicicleta, todas transportadas com cuidado.

Cuidado? Será que se pode chamar cuidado esse negócio de levar para passear um animalzinho  que, ao nascer com asas, tem o poder de cruzar os céus e que por capricho se decide manter preso numa pequena “jaula”?

Sei lá… Talvez seja apenas questão de conceito saber o que é e o que não é cuidado e já fico ouvindo os defensores desse tipo de “hobby”(?) argumentarem que pássaros criados em cativeiro não podem ser soltos. Sei não…

Começou em mocinha, essa minha agonia com passarinho em gaiola. Ganhei um “Biquinho de Lacre” de presente, adorei, achei-o lindo, mas passou uma noite e eu não resisti e abri a porta da gaiola. Naquela época a janela do meu quarto dava para uma mata e o pássaro saiu disparado, ao encontro do verde dourado daquela manhã de sol. Aí sim, senti melhor o presente.

Logo que tive minha própria casa passei a ter, como decoração e troféu, uma gaiola artesanal vazia, com a porta sempre aberta. Me faz bem.

Hoje vinha pela estrada pensando nisso. De volta do meu bom Sítio Retiro, em direção a uma semana de trabalho e mais inquietante que isso, na rota da cidade grande, revivi, em pensamento, muitos momentos de liberdade e outros tantos de aprisionamento.

Lembrei de um trecho do “Pássaro Pintado” do Sergei Kozinsky  (espero não ter escrito incorretamente seu nome) quando ele conta de um coelho que depois de ficar muito tempo preso, ao ver a gaiola aberta, vai até a porta, cheira, cheira e recua, acomodando-se à prisão.

Coelhos quase são passarinhos da terra. Ao imaginá-los, pensamos logo em verdes campos sem fim para correr… Por isso a cena descrita no livro me deu arrepios. Estudando Psicologia, logo aprendi que se fazem experimentos assim, para medir a capacidade de adaptação dos seres vivos (os humanos também) em situações de reclusão. Um horror pensar em como podemos padecer de “Normose”, aceitando pacificamente o que nos faz  tanto mal!

Houve um tempo em que conheci um rapaz que trabalhava como voluntário num serviço de devolução de animais ao seu habitat, depois que são apreendidos em feiras-livres onde são vendidos ilegalmente. Ele nos contou (a mim e a turma toda do curso de Shiatsu de que fazia parte) como é feito, passo a passo, cuidadosamente, o treinamento para re-ensinar um gavião a voar, por exemplo.

Seu relato foi emocionante e eu, que sequer sabia existir esse tipo de trabalho, vibrei com a informação e mais ainda com a possibilidade de ter conhecido um desse heróis anônimos  do cotidiano.

Na essência, essa é a proposta de um bom trabalho psicoterapêutico: possibilitar que o paciente aceite a porta aberta e vá lá fora, escolhendo seu próprio caminho. Até porque o que a educação comumente faz é nos pôr, a todos, em gaiolas, de onde vemos o mundo listrado, fragmentado e destorcido.

Depois se estranha que, ao abrir das porteiras fechadas por muito tempo, a “boiada” exploda incontrolável! E porteiras aí, tanto podem ser as externas quanto as internas, que sufocam a gente.

Mas só se sabe, de fato, da própria experiência e, de minha parte, liberdade eu conheço ao sentir o vento tocar meu corpo e beijar meu rosto. Ao poder rir e chorar sem ter que pedir desculpas. Ao não me envergonhar de meu amor desajeitado ou de minha paixão súbita. Sou livre quando posso “delirar” meu mundo, sonhando-o melhor e fortalecendo-me para tentar, uma vez mais no dia seguinte, participar dele com meus pequenos passos.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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