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          A estátua está lá, seja a de Victorio Emanuell II, montado num cavalo, em movimento, seja a de Leonardo da Vinci, em pé, com o cabelo e a barba se misturando, ambas imponentes,   seja a de um herói do segundo escalão, um tanto abandonado, com um verde a tomar conta, sinal de notório descaso, num pedestal mais baixo. Mas, ao lado da estatua e no seu entorno, está o pombo. De forma mais clara, estão os pombos. Não há como conceber uma estátua sem a presença do pombo, porque a estátua não sobrevive sozinha e solitariamente, exigindo, numa súplica muda, a chegada do pombo. É como se fosse obrigatória acrescer o pombo ao redor da estatua. Pode ser uma lei natural que a gente daqui não faz idéia de sua existência.

            E aí vem o contraste ou o conflito, como o termo melhor exprimir. Enquanto a estátua oferece um ponto de apoio e de abrigo ao pombo, este só retribui o fato com inúmeras e constantes defecadas, sem escolher o local, sem respeitar o herói ali espelhado, sem a menor cerimônia. Defeca na cabeça, na coroa de rei, nos ombros, na espada, na roupa, não poupando nem o cavalo. Foi estátua ou integrou a estátua, com os apetrechos para lhe dar maior realce, o pombo pousa, usufrui e defeca, deixando a marca de seu inocente desrespeito. Até dois leões, ou coisa que o valha, que o represente, com a boca aberta, expelindo água, e água potável, de encher a garrafa do turista, estão lá as marcas da defecação, descendo pelo focinho, como um adorno extra, a simbolizar que leão transformado em mármore ou em granito, leão virado estátua, não faz medo algum ao pombo.

            Essa a realidade das estátuas européias, na sua junção com o pombo, a estátua servindo ao pombo, e o pombo retribuindo e transformando-a em seu sanitário misto de  público, porque todo mundo vê e cruza os braços, e privado, porque só o pombo dela faz uso, até que se descubra um material repelente, que impeça o pombo de perto dela passar seja descoberto e aplicado. E, por falar nisso, não me custa conversar com os cientistas de Itabaiana para produzirem estudos nesse sentido. Depois, se leva para a Europa como uma novidade que a gente, aqui, já conhece há tanto tempo. As estátuas hão de agradecer. Os pombos, não.

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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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