Deborah Aos diversos seu josé

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Seu José acorda às 5h da manhã, pedala em sua bicicleta de 200 reais – dinheiro ganho com muito esforço realizando hora extra – quando é quase atropelado por um carro de 20.000, dirigido por Ricardo Costa, filho de Otávio Costa, neto de Bartolomeu dos Santos da Costa Júnior. Ricardo voltava de uma balada, bêbado, e não obtinha reflexos o suficiente para enxergar o senhor – ou nem mesmo se preocupou em analisar. Tomou seu rumo. Seu José havia caído, nenhum machucado grave, só de sua magrela que quebrou o quadro e não mais tinha condições de lhe transportar até suas atividades profissionais. Levou advertência por ir andando até o trabalho e chegar atrasado. Ninguém quis saber a razão. Mais tarde, enquanto assistia a TV Globo, Seu José observou da janela um grupo de ciclistas que perduravam durante a noite. Ele saiu, foi pra frente de sua casa, pois gostava de observar. Era lindo de se ver, ele sabia por que cada uma das bicicletas que passavam era tão surpreendente. Gostava de apostar quanto que poderia custar cada uma delas: 2 mil, talvez? 5 mil, aquela ali. Ah, definitivamente, esta aí custava perto dos 3 mil reais. Um dos ciclistas foi deixado para trás, pois decidiu, ele não entendeu, checar seu Iphone de mais 3 mil reais. Ficou parado, por um bom tempo, sem muita gente por perto. A rua vazia, bem esquisito. Seu José resistiu, resistiu, mas decidiu de imediato, sem pensar muito. Foi se aproximando do rapaz e, logo quando o senhor o percebeu, Seu José já estava em sua frente de olhos arregalados. O rapaz tomou um susto.

-Ei, eu gostaria de saber: quanto custa essa burra?

De imediato, ele apenas empurrou Seu José violentamente (mais uma vez, no mesmo dia, derrubado) e saiu pedalando o mais rápido possível.

Não entendeu.

Em momento algum.

Ou nunca chegará a entender… Por que simplesmente ninguém o vê. Seria um fantasma? Teria morrido quando atropelado e não sabia?

Seu José, homem bom, honesto e trabalhador. Seguiu os conselhos de seu pai durante toda a sua vida: trabalhe, não roube, faça o certo, respeite seu patrão, traga comida para casa, dê seu sangue para a empresa que em breve ela irá lhe recompensar. Com carteira assinada, você ganha sem trabalhar, assim como eu.

Aos 60 anos, Seu José se aposentou, por incapacidade. Não ganhou nem se quer um “obrigado” pelos 30 anos que dedicou à empresa. Seu salário era mínimo durante a aposentadoria, mas devido às doenças que lhe ocorreram através do suor e sangue fornecido para a empresa, nem mesmo isso cobria o preço dos remédios caros.

Seu José, que acordava às 5h da manhã, pedalava até o seu trabalho. Suado e atordoado, produzia até o seu corpo não permitir mais. Chegava cansado em casa e apenas o que a mente lhe permitia era assistir a programas da TV aberta quando, sem mais delongas, desmaiava de sono. Homem que em seus melhores e nobres 20 anos, de maior força e dedicação, era elogiado e chamado da grande resistência: o bom e honesto trabalhador.

Um dia, a resistência, o outro: incapacitado. No fim, Seu José percebeu que durante toda a sua vida não passou de meros títulos momentâneos a favor de uma empresa que não lhe forneceu um agradecimento.

Que, ao demiti-lo, contratava mais centenas com 20 anos.

Os seus melhores anos.

Ao sair, encontrou alguns selecionados, nervosos para o seu primeiro emprego: iria conseguir? Seria demitido logo de instante? Conseguiria se manter?

Ele pensou em avisar antes que fosse tarde demais.

Deixou pra lá… De que adiantaria? Um deles, segurava uma criança de 5 anos, magrinha e desnutrida. Com a carinha suja, o pai alegou não ter com quem deixá-la ao seu colega próximo.

É, Seu José, quem iria escutar um velho incapacitado?

 

Obs: Autora do livro “23 horas e 03 minutos” – Editora Confraria do Vento.

Imagem do texto enviada pela autora

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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