Jose-Albertoatualizado

Ex-Director do INETI (Coimbra)
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 Graças à magia da memória, tudo surge à minha frente e à minha volta, como se estivesse no miradoiro do tempo, enquanto a esperança do governo parece mais uma maldição do que um augúrio. Sabemos que vimos dos ventos e que a eles voltaremos, dado que a vida não passa de um nó na tranquilidade eterna. Tempos houve, durante os quais, fugidos e flagelados, os emigrantes chegavam à gare de Austerlitz para inundar Paris com os seus cestos de vime, sacos de serapilheira e malas de cartão, contendo as preciosas misérias de um país, para depois chorar e limpar os olhos impregnados desse indefinível sentimento que se dá pelo nome de saudade.  

Por tradição, o país vive o futuro preso à necromancia expressa na evocação dos heróis que fizeram de Portugal uma potência hegemónica, que calcorreou vários oceanos e continentes. Como diz Jaime Nogueira Pinto, no seu livro “Ascensão e Queda de Portugal” vivemos num limbo virtual, que é uma espécie de purgatório entre a mediana sobrevivência de uma União Europeia, que não sabe para onde vai, e as vagas memórias de uma grandeza passada.

Quer os políticos queiram quer não, o certo é que o país está acorrentado à irracionalidade da angústia que precede o pânico, ali bem amarrado pela corda nodosa e vulnerável da demagogia, expressa por mentirosos de terceira linha. Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal ainda eram pessoas coerentes e respeitáveis, gostasse-se ou não das ideias que perfilavam, enquanto hoje somos governados por gente que não abraça causas sociais, mas tão-somente interesses pessoais. Não é por isso de admirar que a irracionalidade da angústia espalhe o pânico, muito em especial quando a demagogia se transforma no elo mais vulnerável do ato de fazer política.

Infelizmente, por debaixo das bravatas irónicas desta politiquice dispendiosa, encontra-se uma maioria de almas tão vulneráveis que até um qualquer diabo desencartado sabe o que deve fazer delas, enquanto as cidades exprimem a repulsa sobre o olhar atónito do campo. Trata-se de uma situação embaraçosa que incendeia a comiseração, muito embora existam setores da sociedade que festejam, com desdém, a indulgência passiva enleada em desprezo, quantas vezes untada com mentiras e promessas falsas, esquecendo-se que este procedimento é um investimento de risco em época de turbulência económica e financeira. O valor da abstenção nas recentes eleições revela que Portugal e a União Europeia trilham maus caminhos.

Não quero dizer com isto que o PM viva, de modo alienado, uma existência eivada de perverso deleite, mas vive certamente de vislumbres que têm o selo da anestesia perante o sofrimento dos mais carenciados, dos doentes, dos velhos e até dos novos sem trabalho. Hoje, na animação do paraíso democrático, já ninguém entrega ninguém. A maioria dos políticos sofisticou-se e aprendeu a vender-se a si próprio, enquanto o povo imbuído de uma fúria escurentada, sem pinga de ânimo, olha o futuro encolhido no recanto das amarguras, à espera do alívio etéreo. O sistema está a evoluir no mau sentido e vai apodrecendo por dentro. Infelizmente, as exceções não abundam, mas é nas exceções que a esperança tem de residir. O tempo é demasiado curto e a solidez da situação cavernosa parece ter fundações profundas, facto que desinquieta a paz, conferindo ao futuro um travo maligno de obscura inocência. Cegueira e ansiedade fundem-se numa única substância que além de ser opressiva é também temporal.

«Animus meminisse horret» foram as palavras com que Eneias iniciou a narrativa dolorosa do cerco de Troia.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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