Ina Melo 21 de novembro de 2011
         A mulher tropical passeia seus olhos tristes pela plácida paisagem mediterrânea. Sonha e pensa numa vida que poderia ter sido sua e, pelos desígnios do destino naufragou num porto qualquer desse amado país. Esta mulher feita de sonhos, durante décadas desejou viver por esses mundos tão diferentes do seu. Apenas sonhos! Nada mais!
          O outono cobre de dourado ruas e praças das cidades. Ela outonal mais feliz, cria histórias onde o amor está sempre presente. Ontem, retornou a um passado que não foi seu e sim roubado aos personagens das artes e da literatura ao caminhar sua quase velhice pelas pequenas vielas da luminosa St.Paul de Vence, revendo uma época de dificuldades para os jovens pintores impressionistas que ali vinham em busca de algo diferente na paisagem para eternizar nas telas.
          Do alto da montanha, eles viam o mundo sobre outra forma, numa mistura de luz e cores. Na irreverência da juventude extravasavam suas mágoas e tristezas no absinto, que os tornavam mais lúcidos nas suas loucuras.
          Ela a mulher, indo de um café para outro, de galeria em galeria, acompanhava os passantes vendo nos jovens artistas de hoje, àqueles sonhadores do passado. Não resistiu e bateu à porta do La Colombe D´or para cumprimentar M. Picasso que ali estava através da imaginação da solitária viajante, sentado tendo à frente um Cavalete e tintas e mais tintas, cuja mistura ele tão bem sabia fazer.
          Hoje, em pleno Século XXI, o local transformou-se num restaurante museu conservando as telas pintadas pelos vários gênios da humanidade que as trocavam por uma pequena refeição. Quem diria que um século depois elas estivessem guardadas a sete chaves nos Museus do mundo, como um legado desses artistas à humanidade.
          A bela vila onde Picasso já famoso e milionário vivia recolhido, também é um museu visitado por milhares de pessoas vindas do mundo inteiro. Quantas e quantas aventuras foram vivenciadas nesta encantadora cidade plantada no alto da montanha.
          Descendo a colina, quando o sol mergulhava no horizonte eis que ela, a outonal sonhadora vai ao Bar do Negresco, onde com os olhos ainda voltados para o passado revive todo o glamour de uma época, chamada de ouro pelo brilho dos seus seguidores.
          Sentada, com uma taça de vinho à sua frente vê passar como num filme o casal de escritores Scoot e Zelda Fiztgerald vestidos à maneira da “belle epoque” alegres pelo excesso de álcool e absinto. Ali, naquele elegante salão em décadas passadas encontraram-se nomes famosos da literatura mundial tais como Gertrude Stein, Hemingway, Cocteau, Henry James e a eterna Coco Chanel. Ao piano, hoje um jovem toca música dos Beatles, mas a mulher só escuta Cole Porter.
          De nostalgia em nostalgia ela passeia por vidas diferentes. Qual o futuro de alguém que teima em viver no passado? O passado para muitos é a morte, mas é ele que faz a sonhadora mulher vivenciar o hoje com intensidade. St.Paul de Vence, num dourado domingo do outono de 2011.
Obs: Imagem enviada pela autora.

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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