TEXTO 2
Como já disse no texto anterior, estes relatos são baseados em minhas experiências pessoais e têm como objetivo tentar alertar os eventuais leitores para os males causados por este mal tão traiçoeiro.
Antigamente mal se ouvia falar em depressão, que era sinônimo de recessão econômica, mas que me lembre, jamais associada aos males patológicos, de natureza orgânica e psicológica, envolvendo abatimento, desânimo, inércia e, às vezes, ansiedade.
A primeira vez em que ouvi falar em depressão como sinônimo de doença (mental) foi há muitos anos, quando a tia de um amigo começou a desinteressar-se de tudo – e de todos. Ela foi ficando cada vez mais calada, até que deixou de falar. Nem mesmo quando instigada. Depois, foi se fechando dentro de si mesma, sem nem ao menos olhar para qualquer outra pessoa. No início, ela ainda cuidava da casa, mas aos poucos até isso foi deixando de fazer. Ficava sentada, olhar vazio, sem se mover. Depois, além de não falar, deixou de comer e até mesmo de sair do lugar para fazer suas necessidades fisiológicas. O pobre do marido não sabia mais o que fazer. Não tinham filhos e a mãe do meu amigo resolveu levá-los para casa. Foi quando a vi. E me impressionei. Parecia mais uma pessoa morta, que haviam esquecido de enterrar. E assim ela foi definhando, mesmo com as repetidas internações e os remédios dos médicos, nada deu resultado. Ela acabou morrendo. Ou melhor, deixando de viver.
Foi muito triste acompanhar o final de vida dessa senhora! Ninguém sabia muito bem o que fazer – nem mesmo os médicos – e ela foi se consumindo em seu mutismo e em sua imobilidade até encontrar o que já havia tomado a sua alma: a morte do corpo.
Os médicos falavam em depressão, mas lembro que não era comum esse termo ser usado para pacientes. Eles bem que tentaram! Trocavam os remédios, faziam juntas médicas, discutiam o caso, mas nunca conseguiram explicar para os familiares o que, de fato, acontecia com aquela senhora. E nem os familiares, nem os amigos entenderam o que havia acontecido com ela; como havia chegado àquele ponto; por que ela havia morrido.
Isso aconteceu na década de 1980. Hoje, fala-se da depressão quase como se fala da gripe, ou de pressão alta. E existem vários tipos de tratamento que, se não chegam a curar completamente, aliviam seus efeitos e dão um alívio aos portadores desse mal.
Eu mesmo, antes alegre e bem disposto, sempre rodeado de amigos e bastante namorador, vaidoso e sedutor, de uns tempos para cá comecei a sentir tudo isso escoando como o ar que eu expirava. A vontade foi enfraquecendo e desaparecendo, deixando-me sem disposição para a maioria das coisas que costumava fazer. Sair de casa virou um transtorno. Com amigos, então, um sacrifício – agüentar conversa fiada, rir de bobagens, assistir shows – qualquer coisa me deixava com preguiça, sem vontade, apático. Nada mais tinha graça. Limitava-me a fazer o que era preciso, o que era obrigado. Fui me afastando dos amigos – ou afastando-os de mim. Já não queria nem ao menos conversar pelo telefone! Quantas vezes deixei de atender à campainha da porta, fazendo silêncio para não denunciar a minha presença! O toque do telefone me deixava nervoso e indeciso, geralmente resolvendo não atendê-lo!
Uma dor no ombro maltratou-me durante mais de um ano. Fui a vários médicos, fiz vários tratamentos e a dor continuava lá, firme e forte. Até que um ortopedista conhecido, num encontro casual (que eu quase evitei desviando-me dele na rua), notou que estava com um desnível no ombro e intimou-me a passar pelo seu consultório para ver o que poderia ser aquilo. Durante a consulta, que durou mais de uma hora, entre exames físicos e muita conversa, ele disse que me curaria apenas se eu o ajudasse, indo consultar um psiquiatra pois o meu mal era a tal da depressão. Impressionado, até mesmo por concordar com o diagnóstico dele, resolvi na hora marcar uma consulta com o psiquiatra indicado por ele que, a pedido, me recebeu no mesmo dia. Iniciei o tratamento e, em menos de dois meses a dor no ombro desapareceu. A depressão foi mais difícil de tratar, foram vários meses com o psiquiatra e mais alguns com uma psicoterapeuta, até ambos me darem alta. Alta parcial, pois esse mal é manhoso e, quando menos percebemos ele pode voltar.
Tive alta e vivi normalmente por algum tempo – alguns anos, na verdade. Hoje sinto que ela está de volta. A falta de vontade faz com que eu demore um pouco a reconhecer essa visita indesejada, mas com muita força de vontade, estou me preparando para reiniciar o tratamento.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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