Padre Beto 29 de novembro de 2011
Certa vez, um pretensioso rei resolveu construir uma imensa catedral em honra do Deus Todo-Poderoso. Ninguém estava autorizado a contribuir com um centavo se quer para a construção da catedral. Ela seria única e exclusivamente uma oferta do rei, afinal seu nome deveria entrar para história como alguém generoso e de muito poder. Quando a enorme igreja ficou pronta, o monarca mandou escrever em ouro sobre uma enorme placa de mármore: “O bondoso rei Eufrosino construiu sozinho esta maravilhosa catedral”. A placa foi fixada, mas, no dia seguinte, todos ficaram surpresos, pois na placa ao invés do nome do rei estava escrito o nome de uma pobre mulher conhecida em toda a região. Imediatamente o rei mandou tirar o nome da mulher e escrever novamente a frase correta. No dia seguinte, como um milagre, estava novamente o nome da mulher na placa. O rei ordenou, então, que encontrassem a tal mulher e a trouxessem a sua presença. A pobre senhora se aproximou do rei tremendo dos pés à cabeça. “Me diga a verdade”, disse o rei com muita calma, “você contribuiu de alguma forma para a construção da catedral?” A pobre mulher, com muita vergonha, respondeu: “Me perdoe, senhor rei, eu preciso ganhar o meu pão de cada dia com muito sacrifício. Sem dúvida alguma, eu conhecia a sua ordem e tinha medo de sua punição. Mas foi para mim uma enorme alegria oferecer um pouco de feno ao jumento que suspendia as rochas para construção da catedral. Desta forma, eu realizei minha vontade, sem ao menos pensar em desobedecer sua ordem!”
A partir do momento que estamos na existência não possuímos outra alternativa senão o ato de fazer alguma coisa. A palavra “ato”, do latim actus, possui como significado o conteúdo, a essência do existir humano: o feito, a atividade, a ação que dá forma ao nosso viver. O ato é imprescindível ao existir, pois mesmo que queiramos ser inativos, a nossa própria decisão ou impossibilidade de não fazer nada se constitui em um ato humano. Qualquer alternativa de vida molda a realidade e transfere a ela um determinado conteúdo. Nós somos, em nosso universo, pura potência, ou seja, uma energia capaz de alterar a constelação à nossa volta. Aristóteles dava o nome à realidade de “energeia”, palavra que pode ser traduzida em português como “execução”. Para o filósofo grego, a realidade é o resultado de uma execução, em outras palavras, o universo é uma construção de nossas ações. Estas, porém, podem ser desejáveis, planejadas, forçadas ou espontâneas. Independentemente de sua origem, o ato, consciente ou inconsciente, voluntário ou involuntário, será sempre a construção de nossa realidade. “Há pessoas que têm uma maneira extremamente desagradável de não dizer as coisas” (Millor Fernandes).
Diante do fato de que somos a energia que dá origem ao nosso cosmos individual, familiar e social, nós, seres humanos, possuímos o desafio constante de conduzir através da razão a dinâmica entre o ato, a execução, o fazer e a potência, a capacidade, a vontade. Em outras palavras, o desafio do ser humano é possuir uma ação que represente sua vontade e possa realizá-lo como pessoa. Todo ato está intimamente ligado à “potência”, ou seja, a todo conteúdo que está no interior do ser humano: capacidade, aptidão, vontade de realização. Por esta razão, é necessário que o ser humano se auto-conheça. Através de um processo de auto-conhecimento podemos descobrir o que realmente desejamos e do que somos realmente capazes. Como também se faz necessário que o ser humano tente a concretização de sua consciência, de seus sonhos. Para a filosofia moderna, o ato humano completo se constitui na ação intencional de um sujeito sobre o mundo. Na fenomenologia de Husserl, o ato é o momento de um acontecimento intencional e com um objetivo definido e significativo para a formação de um objeto. Sem dúvida alguma, muitas vezes em nossa vida somos obrigados a realizar atos contra a nossa vontade e, muitas vezes, sem termos a capacidade necessária. Mas a satisfação de viver torna-se maior quando podemos descobrir do que realmente somos capazes e para onde queremos conduzir a nossa existência. Há pessoas que fazem, há pessoas que mandam fazer e sempre encontramos pessoas que apenas perguntam o que foi feito. De qualquer forma, nós influenciamos em nosso universo; o importante é que esta influência seja consciente. Afinal, é esta consciência que nos distingue dos outros animais, que nos coloca como concretizadores de sonhos e que nos traz realmente a satisfação de viver. “Se você já construiu castelos no ar, não tenha vergonha deles. Estão onde devem estar. Agora, dê-lhes alicerces” (Henry David Thoreau).

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]