Na Jornada de Reflexão, Diálogo e Oração pela Paz e Justiça no mundo, celebrada em Assis no dia 27 de outubro p. p., o Papa Bento XVI no discurso de abertura declarou que “na história, também se recorreu à violência em nome da fé. Mas, sem sombra de dúvida, tratou-se de uso abusivo da fé cristã, em contraste evidente com sua verdadeira natureza, porque irmãos e irmãs entre si constituem uma única família.” Certamente o papa referia-se às Cruzadas, à Inquisição, à Noite de São Bartolomeu em Paris e outros fatos tristes da História.
          Em 1997 saiu no Brasil o livro do escritor italiano Luigi Accatoli, que trazia o sugestivo título “Quando o Papa perde perdão “, com o subtítulo “Todos os mea-culpa de João Paulo II” Neste livro estão elencados 21 casos, em que o beato João Paulo de público pediu perdão pelos pecados e falhas dos homens da Igreja no milênio que terminava. Além dos que citei acima, o livro refere-se ao tratamento dos judeus, ao caso Galileu, às guerras de religião, ao racismo, ao cisma do Oriente, ao procedimento moral de alguns papas do Renascimento e outros.
          Na carta encíclica “Nos umbrais do Terceiro Milênio” João Paulo dedicou uma parte notável, ao que ele denomina as formas de anti-testemunho e de escândalo da Igreja santa, que não deixa de fazer penitência e que reconhece diante de Deus e dos homens seus filhos pecadores. Entre os pecados da História, que requerem maior empenho e conversão, devem ser incluídos, diz o beato pontífice, os que prejudicaram a unidade querida por Deus para seu povo: os dois cismas, o do Oriente (a rivalidade entre Constantinopla e Roma, com pretexto teológico) e o do Ocidente (provocado por Lutero e os protestantes). Outro capítulo doloroso é a condescendência manifestada diante de certos métodos de intolerância ou até mesmo de violência no serviço à verdade. E aí ele se referia às Cruzadas, com a defesa militar dos Lugares Santos e a morte dos infiéis. A Inquisição, sobretudo a espanhola, era a entrega ao chamado “braço secular” dos herejes contumazes, considerados criminosos civis. Entre esses¸ por manobras políticas e militares, encontrou-se uma santa, como S. Joana d´Arc. O papa ainda recordava a corresponsabilidade de tantos cristãos leigos diante de formas graves de injustiça e marginalização social.
          Numa audiência geral de setembro daquele ano, o beato Papa Wojtyƚa voltou a esse tema, afirmando que a Igreja não teme a verdade, que emerge da História e está pronta a reconhecer os erros lá onde eles se verificaram, sobretudo quando se trata do respeito devido às pessoas. Os fatos históricos devem ser estudados à luz das circunstâncias daquele momento. Isto vale notadamente para as Cruzadas, como para a aceitação da escravidão e o uso da força no tratamento dos hereges, considerados réus pelo poder civil.
          Mas em nossos dias, ficou de moda atacar a Igreja pelos casos de pedofilia, cometidos por alguns sacerdotes. Num longo artigo, o bispo Dom Hilário Moser S.D.B. apresenta dados bem documentados dos fatos. Por exemplo: “Repete-se constantemente que nos Estados Unidos houve 4.000 casos de abusos de menores por parte de padres católicos. De fato, de 1950 a 2002 (em meio século) 4.392 sacerdotes, sobre um contingente de 109.000 padres, foram “acusados” de terem tido relações sexuais com menores. Nem todos os casos, porém, se confirmaram como pedofilia, além de haver uma série de padres inocentes, que foram barbaramente caluniados. Mas omite-se que das 4.392 acusações (vejam bem: acusações, não sentenças de condenação) os casos de pedofilia reduzem-se a 958, das quais houve apenas 54 condenações num período de 52 anos. Repetimos: 54 condenações sobre 109.000 padres!”
          No caso da Irlanda, Bento XVI escreveu uma carta duríssima à Igreja daquele país, falando aos bispos de graves falhas, de erros em suas obrigações pastorais e de não aplicação das penas canônicas diante de autênticos crimes. Não por nada o Papa já aceitou algumas demissões de bispos irlandeses e determinou uma visita canônica de apuração dos fatos e punição dos culpados, convidando os católicos à oração e à penitência pelos crimes cometidos.
          Não esqueçamos: a Igreja é santa, feita de pecadores – a Igreja é santa, mas não sem pecados.
(*) È o arcebispo emérito de Maceió
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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