Ex-Director do INETI (Coimbra)
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A proposta do Orçamento Geral do Estado para 2012, apresentado pelo governo português, excede os sacrifícios financeiros exigidos pela Troika (FMI, BCE e CE), esquece a economia e, segundo o Presidente da República, padece de falta de equidade. Portugal está exposto à evolução da crise europeia, nomeadamente no que se refere à Grécia. De harmonia com notícias vindas a público, a Grécia vai beneficiar de um parcial perdão da dívida. A Alemanha e a França sabiam que a declaração da falência grega provocaria uma reacção em cadeia que afectaria vários países da União Europeia e poderia colocar o euro em risco. Contudo, os bancos que detêm dívida grega vão ser penalizados e há bancos portugueses nesta situação. Por isso, não admira que a decisão franco-alemã tenha de ser ponderada, pelo que A. Merkel e N. Sarkozy estão, cada um a seu modo, a puxar a brasa à sua sardinha, avizinhando-se momentos de tensão.
A bancarrota é usualmente declarada ao abrigo da noite, no sentido de serem tomadas medidas de segurança relativamente à protecção dos bancos e de outras instituições envolvidas. Foi assim que aconteceu na Argentina em 1 de Dezembro de 2001. O incumprimento, convertido em euros, atingiu cerca de 91 mil milhões, mais 28 mil milhões de juros. Os bancos foram fechados e guardados por cordões de polícia armada para não serem destruídos pela população. Milhares de pessoas invadiram as ruas da capital e de outras cidades, fazendo um barulho ensurdecedor com tachos, mas as manifestações de rua podem ajudar a dissipar tensões emocionais, mas não resolvem estes problemas. De um dia para o outro, a bancarrota afectou aforradores e depositantes que viram as contas lacradas. Com o desaparecimento do dinheiro de lei, algumas cidades inventaram vales, sustentados no conhecimento e confiança pessoal, no sentido de acudir a pequenas compras do quotidiano, salvando-se aqueles que tinham dólares em carteira ou depósitos em bancos estrangeiros.
A recessão foi brutal e destruiu 30% da riqueza da Argentina. Apesar do programa de estabilização levado à prática em Abril de 2002, o PIB caiu 10,9% e a inflação disparou para dois dígitos. Só em 2005 o governo avançou com um plano de reestruturação da dívida, que impunha a renúncia dos juros em atraso, a desvalorização dos valores entre 25% e 35% e o reescalonamento de prazos. A reacção dos credores foi negativa, mas o governo argentino ignorou esta resistência. A prioridade de pagamento foi dada ao FMI, sendo o compromisso liquidado em Janeiro de 2006. Os prejudicados foram os detentores de títulos da dívida, os contribuintes e os investidores em activos. A situação só aliviou graças à alta dos preços de artigos de conveniência, nomeadamente óleo de soja, em que a Argentina era líder, facto que permitiu que a economia tivesse um alento entre 2003 e 2005.
Segundo um estudo realizado por Rui Esteves, no Departamento de Economia da Universidade de Oxford, a situação que levou ao colapso da Argentina foi motivada por erros do governo que tentou resolver o problema do défice com o FMI, cortando nas despesas, quando a economia já estava em recessão. A proposta do FMI proporcionou uma linha de financiamento que incluía objectivos irrealistas, depois de ter sido aprovado no ano anterior um outro pacote de ajuda que, além de nada resolver, incentivou a fuga de capitais para o estrangeiro. Convertido em euros, o custo global do processo de incumprimento e reestruturação da dívida da Argentina rondou 174 mil milhões.
Não há dúvida de que os portugueses precisam de um alento de vida transfigurado, imbuído de esperança. Mas o que lhe estão a prometer é penitência sem direito a remissão.
Continua
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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