Djanira Silva 4 de outubro de 2011
        
             É no cair destas tardes imprevisíveis que me rebelo. Recuso-me a esquecer, a aceitar as rugas, os cabelos brancos, as saudades, as lembranças que me deixam assim desse jeito, brigando com a vida. Não me digam para esquecer o que só quero lembrar. Não me digam que o passado já era e que hoje sou outra pessoa. Não, não sou. Penso em mim como a ostra que se sentindo agredida por um grão de areia defende-se cobrindo o agressor com várias camadas de nácar transformando-o numa pérola. E é nestas tardes mágicas e tristes quando de mãos dadas comigo mesma, me refaço e me reencontro não deixando que nada me faça esquecer de mim.
          Vejo-te na inocência de um sorriso, crença das orações ao cair da tarde, nos toques da Ave-Maria, na fumaça do incenso, nos mistérios do catecismo quando ainda mal sabias do mundo. Então, ensinaram-te o pecado, o castigo, a loucura do homem que enlouquece na pressa de antecipar o tempo.
          Amanheço vazia. A alma em desalinho, sem voz, o olhar perdido. Preciso acordar o pensamento. Agarro-me, num último e desesperado esforço às lembranças antigas, sigo as pegadas da menina, preciso cuidar para que ela não envelheça. Escuto-lhe as histórias. Entrega-me os pedaços de mim que deixei por aí nas praças, nas calçadas, nas ruas, nas igrejas. Como desistir de nós?
          Tenho o direito de sentir saudade. Cavo um buraco na alma, um precipício, um abismo. Dali escapam como almas penadas, as mágoas que durante tanto tempo me atormentaram. Preciso me rebelar para encarar meus desenganos. Preciso transforma-los em pérolas.
          Amanheço sem sono e sem sonhos. A alma fechada como se fosse um domingo. Eles são feitos de ausências.
Obs: Texto retirado do livro da autora – Pecados de Areia
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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