professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio *
          Nueva Laredo é uma cidade mexicana situada na fronteira do México com o estado do Texas, Estados Unidos. Ali chegam diariamente muitíssimos migrantes seduzidos pelo sonho de uma vida melhor. Esperançosos de encontrar trabalho, deixam seus países e sua cultura para tentar melhores dias no país vizinho, rico e próspero.
          Deixam para trás a dura realidade da pobreza e da falta de oportunidades que sobre eles se fecha e condena suas famílias a uma ausência de futuro, de crescimento, de esperança. Trafegam em verdadeira via sacra, pendurados em trens, em ônibus, a pé, expostos a mutilações, doenças e morte. Ou ficam em mãos dos “coiotes” que lhes tiram o pouco dinheiro economizado e os atira no deserto ou no meio do caminho.
          À medida que o fenômeno migratório vai crescendo e tornando-se mais complexo, novos elementos são agregados ao sofrimento dos migrantes que se aventuram na arriscada tentativa de cruzar a fronteira entre o sul e o norte, atrás do sonho da abundância. Convencidos de que a sociedade rica necessita de mão de obra e que seus cidadãos já não desejam executar trabalhos manuais, pesados , humildes, partem cheios de esperança.
          A viagem, no entanto, muitas vezes desemboca em profunda frustração. O sonho se esfuma diante das dificuldades, da rejeição de uma sociedade que se recusa a absorver o representante de outra latitude e cultura, que o trata como escravo mitigado e o persegue por considerá-lo ilegal e sem direitos de viver em seu território.
          Agregue-se a isto o tráfico de pessoas e as redes de prostituição, que aproveitam o clima de tensão e conflito que a questão migratória cria e aumentam a cada dia. A violência é simplesmente o fruto amargo e esperado de todo um conjunto de injustiças e iniquidades. E pode estar de tocaia em qualquer ponto da mobilidade migratória: seja na origem, nas violências autóctones que tornam a vida impossível, empurrando muitos para a migração; seja no meio do caminho sob a forma das balas da polícia da fronteira, dos transportadores de todo tipo ou dos narcotraficantes que cada vez são mais numerosos.
          Mas em meio a este mar de sofrimento e negatividade, os migrantes encontram também acolhida e ajuda por parte de algumas pessoas ou grupos. São ONGs, congregações religiosas e movimentos leigos que se desdobram doando seu tempo e sua vida para que o sonho dos que migram não se transforme em pesadelo. Ajudam-nos a conseguir papéis, documentos, trabalho. Dão-lhes abrigo, alimento, até que encontrem um lugar para onde ir e uma situação um pouco mais estável. E também saem em sua defesa diante da opinião pública, denunciando a violência de que são vítimas.
          Marisol Castro, jornalista católica de um periódico de Nueva Laredo, leiga participante do movimento scalabriniano, estava entre estes últimos. Tornou-se alvo e arquivo daqueles cuja violência denunciava corajosamente. No último dia 22 de setembro, foi sequestrada e executada. Seu corpo foi encontrado em uma avenida de Nueva Laredo, sua cidade natal.
          Sobre seu corpo jovem, os assassinos deixaram um recado: isto acontece com os meios de comunicação que se põem contra eles. Os companheiros de Marisol, que partilham sua fé e sua luta, no entanto, conseguem, em meio à dor de sua ausência, fazer outra leitura. Na entrega testemunhal da vida da jovem jornalista ressoam mais fortes que nunca as palavras vibrantes e cheias de fogo do apóstolo Paulo de Tarso: “Sois uma carta de Cristo, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne que são os nossos corações” .
          Carta luminosa de Cristo, que faz apelo aos que semeiam morte, luto e lágrimas pelas fronteiras da América. Marisol continua agora seu trabalho de jornalista, informando e tornando conhecida a verdade ainda que em outra dimensão. E a verdade, diante de sua morte como de sua vida, é a esperança de que fatos assim deixem de acontecer. E que a justiça e a paz possam aproximar-se um pouco mais das cruéis fronteiras que dividem e matam os seres humanos.

* Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

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