Não entendo nada de design. No máximo, um pouco de usabilidade por dever da profissão, mas só teoria. Talvez eu nem entenda de jornalismo também, não duvido.
Tem uma coisa, porém, que entendo o suficiente: fim de mês, elas chegam. As nefastas insaciáveis. Contas a pagar e dívidas a saldar. Não pague e, próximo mês, custarão o dobro. Uma cortesia dos suaves juros bancários brasileiros.
O nariz de cera é para dizer que tenho observado e participado de calorosas discussões sobre a prostituição da profissão de designer, que [ainda] não é regulamentada. Observo com interesse, mas participo sem fôlego: é uma discussão já velha para jornalistas.
Acho que estamos prostituídos há bem mais tempo. Quem quiser que atire a primeira pedra. Não vai doer. Afinal, será apenas mais uma dentre tantas.
Design fast–food
Um dos enfoques os quais observo com atenção é a quantidade de anúncios para criação de websites por R$ 200, de templates prontos por R$ 100 e outros serviços de design a preços de matér… digo, banana.
Principalmente na mesa de bar, nas conversas de hora do almoço e nas listas de discussão, sempre tem gente para falar em ética de mercado, que isso tudo é uma injustiça com quem é bom, é deslealdade com quem estudou tantos anos, é sacanagem com quem se dedica a fazer universidade (e até pós–graduação!) e recebeu um diploma. Não entendo.
Filosofar sobre mercado de trabalho é de uma inocência desigual. Em minha amadora opinião, é inócuo elucidar motivos e causas da quebradeira do mercado de trabalho, ficar criticando os garotos que fazem curso de Frontpage e CorelDraw e se dizem webdesigners, ou xingar a agência de fulano por ter uma boa carteira de clientes e apresentar sites mal resolvidos.
Não entendo toda a celeuma contra esse design fast–food. Em diversas ocasiões, quando pergunto ao crítico mordaz, às vezes ele sequer tem um portfólio para apresentar; sequer oferece trabalho para empresas. Quer que as empresas corram atrás – situação que os engravatados que vivem de palestra adoram “revelar”.
O que acontece com o design não é nada diferente do que ocorre com todas as outras áreas da comunicação e há mais tempo com o jornalismo. Sejam bem–vindos ao mundo real. Como anfitrião de data maior, vou ali pegar um cafézinho (requentado) para vocês.
Não era essa a “nova era” que todos queriam? Acesso à informação para as massas, ensino superior para todos (que puderem pagar), liberdade de expressão irrestrita?
Tudo ótimo, mas é preciso pagar o preço. Tem muita gente que não quer pagar, quer que os clientes e veículos saibam diferenciar da noite para o dia o bom profissional do fast–food. Não funciona assim.
Precisamos esquecer um pouco esse mundinho fechado e incipiente de internet. É um papo antigo, mas que pouca gente tem feito. A bolha somos nós.
A impressão é que estamos reclamando, simplesmente, porque há um planeta inteiro lá fora, de verdade: aluguel, comida, feira, educação dos filhos, gasolina, prestação.
Quem não aceitar isso, na minha amadora (agora no sentido de apaixonante) sugestão é: se mudem para Macondo. Chutem o pau da barraca, façam uma mochila e vão morar na praia vivendo de pesca ou no mato, vivendo de caça. E não ousem esquecer de me convidar a ir junto. Só preciso do empurrão inicial. A mochila, a cabana e a vara de pesca eu já tenho.
Porque na vida real, o mercado está horrível mesmo. Não é novidade. Todo mundo está se mordendo mesmo, e daí? Cada um quer e precisa ganhar o seu. Nada mais justo. Já vi gente oferecendo trabalhos completos de assessoria de imprensa por R$ 600, quando o tal do mercado, essa entidade divina sobrenatural, não “cobra” menos de R$ 2000. É um esquema predatório. Não é de agora.
São milhares de pessoas saindo da faculdade todo ano, para um mercado de portas fechadas. Basta pegar essa quantidade e somar com o pessoal que está sendo demitido todo mês, juntando com os que já estão sem emprego. Ou melhor, de gente que está “em busca de novos desafios”. Eita expressãozinha mais nefasta.
Não é apenas em São Paulo ou Rio de Janeiro. O fast–food é no Brasil inteiro. Virou baixo meretrício mesmo, cada um cobrando menos do que o outro. O que vamos fazer? Matar esses caras? Cobrar dos sindicatos? (risos) Só se for para antecipar ainda mais o infarto.
É muito fácil criticar. No entanto, quero ver na hora em que a única saída seja escolher entre ganhar uns trezentinhos por um serviço para, pelo menos, pagar o aluguel; ou não ganhar nada, em prol da ética de mercado, para “não se prostituir”.
Pode anotar: quando for a sua vez, você não vai cobrar trezentinhos. Vai cobrar duzentinhos, porque os trezentos já vai ter muita gente querendo.
Ética vs. Ética
Ética é um lance muito sério. Mas, a partir do momento em que começam a filosofar muito sobre o assunto, é porque já não existe mais nada a discutir.
Minha ética não deveria ser diferente da sua, que também não deveria ser diferente da do carpinteiro, do gari, do vendedor de espetinhos – todas nobres profissões, mas que, diferentemente de você, não precisaram de universidade, cursos caros ou pós–graduações.
Pois, no final, os dois lados terminam sob a mesma Espada de Dâmocles. E aí já era.
Estamos todos extremamente mal acostumados, ainda iludidos com o maravilhoso mundo da internet que ia dar bons salários para quem soubesse fazer algo decente. Estamos isolados.
E o pior de tudo é que não somos ninguém. Trabalhamos para outro punhado de ninguéns com acesso à internet ou tempo de ler o que escrevemos e produzimos. Não que isso deva nortear nosso trabalho, pelo contrário. Mas, o que não pode acontecer é esquecer a existência um mundo inteiro lá fora. Crise, dívida bancária, contas a pagar, preço das coisas subindo e empregos escassos.
Cansei um pouco de sentar em mesa de bar com jornalistas e ouvir a velha ladainha de que “tem uma galera que está acabando com o mercado“, porque cobram muito pouco e “roubam o emprego de quem é bom“.
Quando estiverem [também] desempregados e devendo até as calças ao banco, num instante mudam de idéia. Talvez seja por isso que, ultimamente, tenho bebido menos com jornalistas e mais com designers :–)