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“As raízes de todos os seres vivos estão entrelaçadas. Quando uma árvore é abatida, cai uma estrela do céu. Antes de cortar uma árvore, se deve sempre pedir permissão ao guardião das estrelas”. Estas são as palavras de Chank´in, ancião indígena lacandon, que o teólogo da libertação, o brasileiro Marcelo Barros cita no seu último livro traduzido na Itália: Ecologia e espiritualidade. Nesse livro, a teologia se tona poesia, cântico e hino. E também pranto. Mas principalmente esperança e alegria. É um pensamento vivo e vibrante, capaz de dialogar de forma rigorosa com nossa razão e, ao mesmo tempo, capaz de penetrar no nosso coração e no espírito e falar com a linguagem do amor, da empatia, da comunhão e cooperação sinérgica. “Fazer teologia” – nos mostra Marcelo Barros – não significa assolutamente subir em uma cátedra ou sentar em um banco ou ficar fechado na biblioteca, longe da vida real, mas caminhar juntos no mundo, com alegria e prazer.
Convidado por numerosas associações italianas a apresentar esse livro, Marcelo Barros percorreu recentemente várias regiões da Itália. O seu pensamento e o seu sentir teológico, assim como o de vários outros companheiros, hoje, se concentra em um tema de importância vital para toda a humanidade e para cada pessoa particularmente: a ecologia.
Mas a ecologia – assinala o teólogo do Recife – não significa só o estudo do ambiente ou o respeito da natureza. No sentido mais profundo e como a entende a teologia da libertação, é ecologia o dar respostas às questões sobre o sentido da vida, é ocupar-se da relação entre todas as formas de vida, é o encontro entre a ética, a filosofia, a espiritualidade e o compromisso ambientalista. Enfim, se trata de desenvolver a união de uma intensa experiência individual de contato com a natureza e uma postura crítica e de compromisso na luta pela justiça. Ecologia é a própria forma de viver, pensar o trabalho, o estilo de vida de todo o planeta. Quando falamos de ecologia, pensamos imediatamente no ambiente, mas a ecologia ambiental supõe uma ecologia social, uma sociedade inclusiva, que assuma o fato de que precisa de todos os seus componentes, principalmente daqueles que um sistema social fundado sobre o dinheiro tem marginalizado e excluído. Assim, uma sociedade que considera pessoas como extra-comunitárias, é ela, a própria sociedade que se coloca, paradoxalmente, como “extra-comunitaria”, isto é, ela se coloca fora da comunidade humana que é única e una.
Neste contexto, o que você compreende por espiritualidade?
E’ a capacidade de discernir o Espírito presente em tudo o que existe. É a energia de relação cósmica da qual todos os seres são expressão e que as religiões reconhecem como o amor divino na base dessa grande comunidade que é o universo. Há alguns anos, o grande teólogo Raimon Panikkar inventou o termo ‘cosmoteandrico’. Nós não estamos habituados a unir a espiritualidade e a contemplação com a natureza, com os elementos do firmamento, a terra e a água. Ao contrário, no tempo da colônia, quando os missionários espanhóis quiseram construir a catedral de Cuernavaca no México, tiveram de fazer ao lado uma capela sem teto para os índios, porque estes não podiam orar a Deus sem ver ao menos sobre eles o céu e as estrelas.
Você é um importante membro da teologia da libertação. Um dos “históricos”. Poderia dizer como está hoje esta teologia na América Latina e, em particular, no Brasil?
Nos últimos anos, a Teologia da libertação assumiu uma perspectiva mais mundial. Desde 2003, a Associação ecumênica dos teólogos e teólogas do terceiro mundo (Asett) participa em diversos fóruns mundiais de teólogos/as da libertação, onde se enfrentam temas de amplidão planetária a partir da fé ecumênica e das Escrituras. Hoje, a Teologia da libertação é muito mais ampla e compreende a Teologia feminista, a Ecoteologia, as Teologias indígenas, teologia negras e diversas outras teologias contextuais. No Brasil, depois dos anos 80, a Teologia da libertação manteve o seu compromisso com as comunidades de base, mas se abriu também aos movimentos populares, eclesiais e não eclesiais, como, por exemplo, os movimentos bolivarianos, não eclesiais, mas nos quais estamos inseridos.
Quais são os pontos principais em comum entre a Teologia da libertação e o movimento bolivariano?
O ponto comum fundamental é a opção pelos mais empobrecidos do continente, especialmente os índios e negros. Um outro é a opção pela educação como caminho de libertação, não através da luta armada, mas pelo caminho das eleições normais. Este é um aspecto importante. Por “educação” não compreendemos só a escolarização, que é muito importante e que hoje devemos democratizar. Nos países onde o movimento bolivariano conseguiu chegar ao governo, este processo de democratização está funcionando bem: há mais de três anos, a Venezuela foi declarada pela UNESCO, um país livre de analfabetismo – No Brasil, nós ainda temos 15% de adultos analfabetos. É demais. Mas, devemos compreender educação no sentido mais amplo, como o processo que ajuda as pessoas a se tornarem independentes e a terem um olhar crítico. Paulo Freire dizia que ‘analfabeto é a pessoa que não pode falar, a quem não são reconhecidos os direitos à cidadania, à justiça e à paz’. Também a Teologia feminista foi assumida pela Teologia da libertação. Como homem, eu me considero um teólogo feminista. Estou convencido de que o maior pecado, o mais estrutural dessa sociedade é o sistema patriarcal, do qual nasce também o patriarcalismo religioso eclesial’ imposto em nome da Palavra de Deus.
Como teólogo da libertação, o que pensa do novo Código florestal recentemente proposto e aprovado pela Câmara dos deputados brasileiros que autoriza um maior desflorestamento da Amazônia, com todas as desastrosas conseqüências que isso terá não só para o Brasil, mas para todo o planeta?
É claro que penso que é uma lei péssima. Foi proposta por Aldo Rebelo, que se diz comunista, mas, na realidade, colocou-se a serviço dos latifundiários. No Brasil, essa lei suscitou muitos debates e permitiu crimes ambientais. Se a presidente Dilma Rousseff assinar esta lei (e atualmente, não sei ainda o que ela vai decidir), só nos estados do norte do Brasil, essa decisão causará a perda de mais ou menos 71 milhões de hectares de floresta virgem e a perda da metade das áreas atualmente ainda protegidas. Em nome do chamado ‘capitalismo produtivo’ e dos interesses milionários das multinacionais e dos fazendeiros, a desmatação da Amazônia privará o planeta de um dos seus pulmões mais importantes, representará uma verdadeira tragédia para quatro milhões de famílias que serão expulsas de suas terras (imagine que 1% dos proprietários rurais é dono de quase 50% do território brasileiro), as pequenas e médias propriedades serão diminuídas e se colocará em risco a maior e mais rica rede hídrica da Terra (estima-se que no solo brasilerio, estejam 12% de todas as reservas de água doce do mundo). Por outro lado, no Brasil, estão construindo quase vinte hidro-elétricas no sul e outras no norte. É horrrível. Falam em necessidade energética, mas muitos técnicos mostram que seria mais útil e econômicos projetos menores. Como cristão e teólogo, apoio as organizações dos lavradores e dos indos. Todos os movimentos do campo são contrários a essa lei e os fazendeiros são todos a favor. Então, eu já sei de que parte devo me colocar.
Em seus escritos, você traçou um paralelo interessante e original entre o mundo natural, mondo humano e mundo divino. Assim como na natureza, encontramos a biodiversidade – assim a ‘biodiversidade’ deveria ser o princípio segundo o qual se deve instaurar relações corretas entre os seres humanos, entre os povos e com o próprio mistério de Deus. Você pode esclarecer melhor essa idéia?
Em um recente artigo na revista internacional de teologia, Concilium, falei da ‘biodiversidade’ existente no próprio Deus, uma espécie de hiero-diversidade”. Assim como a vida só existe se houver uma comunhão (não há vida sem conexão das espécies) e quando não há diversidade na natureza, se criam desequilíbrios graves, assim não existe “biodiversidade” entre os seres humanos na sociedade, isto é, interdependência, se criam mal estar social, incompreensão, conflito, injustiça. A própria realidade divina,la ‘estrutura’, por assim dizer, da Vida divina se revela assim: como hierodiversidade. As religiões e as tradições espirituais se fundamentam sobre um só aspecto ou sobre alguns aspectos do Mistério de Deus, mas nenhuma delas consegue chegar a essência completa do divino. Só pelo diálogo e pela acolhida recíproca de cada uma das revelações particulares que as as diversas religiões propõem, só assim, o ser humano pode aproximar-se mais desse mistério divino.
Então, isso significa que todas as religiões são iguais, uma vale exatamente o mesmo que a outra? Nessa perspectiva, não se cai em um relativismo religioso que ensina que qualquer coisa vale?
Em diversas ocasiões, o Dalai Lama tem declarado que a melhor religião, a mais verdadeira é aquela que lhe faz bem, ou seja, aquela que ajuda você a viver melhor a compaixão e a solidariedade. Sem dúvida, isso é uma simplificação. Mas, isso significa que não existe uma religião objetivamente melhor e outra pior. Todas as religiões, enquanto respostas humanas à revelação do amor divino são testemunhas verdadeiras e sinceras de uma particular e pecular revelação divina. Por opção de fé, sou cristão católico, mas como cristão quero aprender sempre das outras religiões.
Como você reage quando se usa a palavra ‘tolerância’ aplicada à religião?
É uma palavra perigosa, em dois sentidos. Normalmente a pessoa tolera o que não pode evitar. Tolerar significa suportar. Nesta linha de compreensão, tolerância não pode ser o modelo de relação entre as religiões. Se, diferentemente, tolerância se compreende como uma atitude de colaboração, respeito e acolhimento recíproco e como colaboração fraterna para enfrentar juntos as grandes causas humanitárias, aí sim, é certo que se pode usar o termo. Em 1992, a Assembléia do Povo de Deus em Quito, no Equador, elaborou o conceito de ‘macro-ecumenismo’, alargando a espiritualidade ecumênica que até então só se usava para o ecumenismo entre Igrejas cristãs. Na América Latina, queremos que as Igrejas cooperem com outros grupos religiosos no enfrentamento dos enormes desafios que tocam a todos os povos do continente. Macro-ecumenismo não visa uma unificação das religiões, assim como o ecumenismo não pretende que haja uma só Igreja cristã. O que se deseja é a comunhão e praticamente a cooperação entre elas.
Você acha que o Concílio Vaticano II esteja superado? As sociedades, o progresso tecnológico, tudo isso está imprimindo à vida atual uma velocidade nunca vista e colocando novos desafios. Diante disso, você concorda com o grupo que sugere que a Igreja Católica está precisando de um novo Concílio?
O Concílio Vaticano II não foi somente a assembléia dos bispos que se reuniu há 50 anos, mas o Concílio é também a experiência concreta dos bispos e das Igrejas e todo o processo que sucedeu ao Concílio na forma de receber e pôr em prática os documentos do Concílio. Houve um primeiro momento de entusiasmo, acolhimento e de grande fermento (sinais dos tempos como o surgimento das comunidades eclesiais de base, a promoção do laicato, abertura aos problemas do mundo). Parecia que, ali, a Igreja conseguiu dar um salto em seu caminho. Depois, a Cúria romana conseguiu imprimir um bloqueio e freou o dinamismo que se tinha iniciado na Igreja. Hoje, a Cúria interpreta o Vaticano II de modo que impeça qualquer mudança. O processo que antes aconteceu de recepção aberta dos documentos conciliares foi sufocado. Penso que João Paulo II comandou este movimento de conservadorismo. Ele fez isso, enquanto mostrava certa abertura ao mundo e, em alguns aspectos, boa capacidade de escuta. Hoje, ao contrário, do ponto de vista teológico e ecumênico, estamos vivendo um inverno, um momento de asfixia.
Conforme você pensa: do que depende este “inverno’ da Igreja Católica?
Esse inverno é fruo do medo, medo do mundo, da vida, da sexualidade, do comunismo, embora, hoje, os riscos sejam outros.
Você é natural da diocese de Olinda e Recife. Conheceu bem e foi um dos colaboradores de Dom Hélder Câmara que todos recordam como um dos bispos mais amados do mundo. O que ainda resta, hoje, da herança de Dom Helder Câmara?
Se você quer saber no Recife, depois de um longo e rigoroso inverno, devido à linha do arcebispo anterior que foi o sucessor de Dom Hélder e fez questão de eliminar toda a linha pastoral do seu antecessor, atualmente, ou seja há mais de um ano, a arquidiocese de Olinda e Recife recebeu um novo arcebispo e as coisas melhoraram. Dom Fernando Saburido é um homem de grande humanidade, aberto ao diálogo. Não toma posições fortes, mas é próximo às pessoas e isso é o mais importante.
Laura Ferrari

* Mantua, 24 de setembro de 2011

Obs: Se quer ver a versão original em italiano, acesse o blog do autor http://www.marcelobarros.com/search/label/entrevistas

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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