Padre Beto 2 de outubro de 2011

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Em uma audiência privada com o Papa João XXIII, um bispo relativamente jovem em sua função reclamava não conseguir dormir graças aos seus muitos encargos em sua diocese. Ao se deitar, ele não conseguia deixar de pensar nas difíceis decisões que deveria tomar e tinha grande medo de cometer erros. Demonstrando compaixão com o jovem bispo, o Papa, então, comentou: “No início do meu pontificado, eu me encontrava na mesma situação. Simplesmente não conseguia dormir e passava as noites pensando no que deveria fazer no dia seguinte. Mas, em uma noite, surgiu um anjo à minha frente que me disse com uma voz muito suave: ‘Giovanni, não dê tanta importância a você mesmo!’ Desde então eu durmo muito bem!”

É muito fácil criticar os outros. Atitude mais exigente, mas com certeza a mais sábia, é tentar corrigir os nossos próprios erros. Porém, para se ter esta postura de autocorreção é necessário que se adquira como hábito o exame constante de nossos atos e principalmente a qualidade de ser humilde. A tentativa de nos autocorrigir não significa simplesmente não mais errar, mas adquirir o desejo de não mais cometer erros. Não podemos esquecer que somos eternamente aprendizes da vida e até mesmo aqueles que possuem uma grande bagagem cultural estão sempre aprendendo algo novo. Não é por menos que os grandes pensadores na antiga Grécia se autodenominavam “filósofos”, o que significa apenas amigos do saber. “Amigo do saber” não é aquele que sabe tudo, ou detém o conhecimento da verdade, mas sim quem tem a consciência de sempre estar em busca do conhecimento, uma busca que não possui um fim. Em outras palavras, ter o desejo de não errar não significa ser perfeito, mas desejar aprender os acertos. Este aprendizado, muitas vezes, só acontece através dos não agradáveis erros. E aqui está o início da sabedoria: saber ver nos erros uma experiência de vida, da qual podemos verdadeiramente aprender. “Não me desencorajo, porque cada tentativa errada descartada é outro passo à frente” (Thomas Edison).

Diante de nossas falhas podemos ter, pelo menos, três atitudes. A primeira é o esquecimento. Nós tentamos ilusoriamente “passar uma borracha” em cima de nossos erros e procuramos não pensamos mais neles. Esta atitude funciona somente com aqueles que não costumam mesmo pensar sobre a vida e seus atos. Quem assume esta postura parece ter uma vida mais tranqüila, mas não raramente esta se mostra cruel ou idiota. Afinal, quem procura se esquecer do que fez e não reflete sobre seus atos possui grandes chances de cometer as mesmas falhas do passado, e com elas novamente sofrer, ou fazer com que os outros sofram. A segunda atitude diante de nossas falhas é entendê-las como uma mácula. Não somente conservamos na memória o que fizemos de mal, mas fazemos a questão de carregar nossos erros por muito tempo como um fardo, um peso, uma cruz. Assim, adquirimos uma compreensão negativa de nós mesmos, o peso da memória nos deixa medrosos diante das novas situações e nos impede de crescer e viver com mais leveza. Por fim, nós podemos ver os erros como uma conseqüência natural de nossa imperfeição. Em outras palavras, nós podemos nos conscientizar verdadeiramente que errar é humano, o que significa que erros pertencem ao desenvolvimento do ser humano e estão a serviço dos acertos. Os erros pertencem à escola da vida e neles encontramos a oportunidade do aprendizado, do aperfeiçoamento de nossos atos e do nosso espírito. Esta consciência não deve estar relacionada somente com nossas ações, mas deve ser uma forma de tratamento com toda a nossa história. É necessário tirar proveito da realidade diversificada, na qual somos obrigados a viver. Nós aprendemos muito sobre a natureza humana não somente através da convivência com amigos fiéis e verdadeiros, mas também com amigos falsos e não confiáveis. A diversidade da vida nos ensina que nosso universo não é somente construído de atitudes, mas principalmente de desejos. Meu inimigo não é somente aquele que me ofende, mas também aquele que deseja me ofender. Por fim, a diversidade de momentos, situações, sentimentos, dores e prazeres constituem em espaços que devem possibilitar o desenvolvimento da vida. Mas isso não depende tanto da situação, mas como nós as vivenciamos. “O homem nasce para viver, e não para se preparar para viver” (Boris Parternak).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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