Confesso. Fui uma criança má. Não destas de tocar fogo no rabo do cachorro ou esquecer o gato no meio do fogão. Usava o rostinho delicado e angelical para aprontar das minhas. Foi o que ouvi da mamãe dia desses. Tá! Eu não era nenhum diabinho, mas furei a cabeça da minha babá com uma caneta. Eu era um pouco temperamental. Isso quase sempre acontecia quando era aborrecida. Acho que ela não quis me dar alguma coisa e eu simplesmente a furei com uma daquelas canetas retráteis. Não ficou um buraco enorme, porém foi o suficiente para levar uma bronca.
Por falar em estranhos no ninho, eu odiava ser contrariada (às vezes acho que isso ainda perdura). Faça qualquer coisa, mas não chame minha atenção. Dê um toque de leve, mas não faça isso. Certa vez joguei areia na cama da moça que trabalhava lá em casa só porque ela reclamou para os meus pais que eu sujava tudo, que era uma bagunceira. Numa outra ocasião fiz isso porque ela não quis me levar ao supermercado. Quando ela voltou Tcharam!!! O lençol estava imundo. Levei uma chamada federal da mamãe. Aprendi a lição. Fiquei boazinha, mas alguns meses depois a secretária do lar foi embora. Cena triste. Fiquei chorando no portão.
De todos ao meu redor quem mais sofreu em minhas mãos foi meu irmão. Como sofreu o coitado! Me admira hoje ele ser uma pessoa maravilhosa. Esses dias ele chegou comigo e disparou “lembra quando você me colocava dentro de um camburão e saia empurrando ele pelo quintal?”. Não. Não lembro. “E até que uma vez cortou minha coxa e melou tudo de sangue?”. Isso aí que não lembro mesmo! Eu costumava trancá-lo dentro do armário na brincadeira do pique – esconde. Ele ficava lá dentro, gritando, pedindo “Dannie me tira daqui!”. Com a cara mais lavada do mundo eu aparecia quando ele já estava todo suado (e desesperado, diga-se de passagem). “Desculpa mano não sabia que tava aí”. As outras maldades consistiam em fazer ele comer sabão, vela e terra. Tinha outras coisas também como fazer meu irmão comer sabão, vela ou outra coisa parecida. Graças à Deus que ele nunca passou mal. às vezes penso que fui uma péssima irmã mais velha. Ainda bem que as pessoas se redimem, mas acho que ele nunca esqueceu. “Você lembra quando eu te empurrava a tarde inteira na bicicletinha azul, mas quando chegava a minha vez você dizia que já estava de noite e era hora de ir pra casa?”. “Você lembra quando me empurrava pra entrar primeiro no banheiro pra tomar banho e não queria nem saber se eu tava machucado?” “Lembra daquela vez que o papai bateu na gente só porque você quis brincar com terra na frente de casa. E você se ferrou porque era a mais velha e apanhou mais?”. Aff!
Mesmo depois de tudo isso não perdi todos os meus tijolinhos no céu. Quando algum menino ia bater no meu irmão, quem apanhava era EU! Quando brincávamos de sete-pecados quem ia para o paredão era EU! Quando aprontávamos quem levava mais chinelada era EU! Quando alguma coisa era quebrada como o cachorro de porcelana de cima da estante a culpada sempre era EU! EU! EU! EU!

 

Mamãe dizia que eu tinha as piores brincadeiras do mundo. Pular de cima da geladeira, pular no estofado, ficar balançando na rede até se estabanar na porta do guarda-roupa, deixar garfos espalhados pela casa, etc, etc. No fundo eu fui uma criança feliz. Tão feliz que minhas histórias viraram crônicas. Vai ver meninas más, danadas e serelepes acabam virando cronistas depois de grandes. É a vida….
Obs: Imagem enviada pela autora de Daniel Pedrogan (br.olhares.com)

 

Daniel Pedrogan (br.olhares.com)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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