Paulo Rebêlo 31 de outubro de 2011

(www.rebelo.org)

As pessoas têm uma dificuldade imensa em aceitar a própria natureza. Outro dia, uma colega ucraniana vem dizer que eu deveria experimentar uma aula de ioga. Supostamente, assim teria mais energia e não ficaria bocejando a tarde inteira. Fiquei pensando se não seria mais fácil e teria o mesmo efeito se eu, na hora do almoço, comesse algo um pouco mais leve no lugar do bife com feijão, macarrão, batata e maionese. Talvez eu pudesse dispensar a maionese.

A ucraniana insistiu. ‘Você vai gostar, depois da aula me sinto tão leve, cheia de energia, o mundo parece melhor, parece que estou flutuando’… – disse ela. Nessa hora, não sabia mais se ainda estávamos falando de ioga ou se ela me chamava para fumar um baseado importado da Ucrânia. Seria ioga a marca do fumo?

Pacientemente, expliquei à criatura que certas pessoas têm todos os motivos do mundo para não praticarem ioga.

Primeiro, ioga é saudável. É como suco natural da fruta, meu organismo não foi moldado para coisas saudáveis. Segundo, ioga custa caro. Cada aula custaria R$ 7,00 para apenas uma hora. Pela mesma duração e com o mesmo valor, podemos comprar duas cervejas e um pacotinho de torresmo. Terceiro, ioga é coisa de mulher, é tudo muito leve e zen. Quarto, não gosto de sociabilidades com muita gente por metro quadrado, com exceção do estádio de futebol […] A criatura não sossegou e não entendeu que meus motivos eram mais do que suficientes. Não entendo esse povo gringo. Ela virou-se e disse: “são apenas dez pessoas na aula e nove são mulheres, todas são novas e bem bonitinhas…”

Foi então que conclui: às vezes, um homem precisa superar os preconceitos e zelar pela saúde.

UM TAPINHA NÃO DÓI –

Do topo do meu metro e meio de altura, quando olhei para aquela ucraniana de 1.75m, loira dos olhos azuis e com IGC (índice de gordura corporal) bem próximo de 0%, fiquei sem entender por quê nunca me preocupei antes com minha saúde.

Ao entrar na sala de ioga, olho para as outras nove mulheres que incrivelmente também têm IGC próximo de zero, olho para minha enorme pança peluda e só então entendo. A instrutora me garantiu que seria uma aula leve, já que eu era novato. Nunca imaginei que ioga tivesse diferenciação entre aulas leves e pesadas, afinal, é tudo tão zen. Vinte minutos depois, eu estava suando feito um porco condenado ao espeto e prometi que nunca na minha vida iria saber como é uma aula pesada de ioga.

Braços para frente, pernas para trás, tronco para cima, alonga e estica, vira, alonga, vira, estica, muda o braço, muda a perna, pronto, virei um nó e agora não consigo mais desatar. Olhei para o resto da sala, aquelas lindas donzelas com as roupinhas coladas e barriguinha para fora, mas a única coisa que consegui prestar atenção foi que todas estavam com o rosto limpinho e seco, enquanto apenas eu tinha que desatar o nó para enxugar o suor que escorria da testa e pingava no chão.

No próximo exercício, contei quase trinta abdominais que as ioguetes fizeram. Com minha pança peluda, consegui fazer três e, em seguida, perguntei baixinho à ucraniana se ela sabia o telefone do SAMU, porque faltava pouco para eu infartar de verdade. Nessa hora, só consegui me visualizar deitado em uma maca de hospital enquanto os médicos faziam uma ponte de safena. No dia seguinte, jornais do mundo inteiro teriam a manchete: ‘brasileiro morre do coração durante aula de ioga rodeado por nove belas mulheres’.

A reportagem iria entrevistar as pessoas do meu convívio social. Minha ex-chefe no jornal certamente diria: “se ele ainda trabalhasse aqui, continuaria indo para o bar toda noite e essa tragédia nunca teria acontecido, isso é um alerta para todo esse povo aí que não bebe, agora dá licença que a cerveja está esquentando e vou brindar pelo presunto”. Os donos dos bares da cidade iriam à imprensa perguntar quem paga os fiados, pois defunto não paga conta. Os companheiros de copo responderiam que às vezes ele até era um cara legal, mas fiado é sagrado e cada um paga o seu.

IOGA MATRIX –

E foi perdido nesses pensamentos que a instrutora de ioga me chamou a atenção novamente, pois eles já estavam em outro exercício enquanto eu ainda tentava empurrar a barriga para o lado e encostar o joelho na testa há quase dez minutos. Logo, uma hora havia se passado, me vi deitado no chão pedindo ajuda da maldita ucraniana, pois agora eu não conseguia mais levantar e estava literalmente todo quebrado. Depois de uns minutos sem conseguir me mexer direito, as gurias me colocaram de pé e fomos embora.

No caminho até a parada de ônibus, a ucraniana era só felicidade. Fiquei em dúvida se ela não tinha dado um tapinha com o fumo da Ucrânia. Achei melhor não perguntar, porque afinal eu estava me sentindo estranhamente bem. Minhas pernas estavam leves, a pança peluda parecia mais confortável, eu caminhava quase que deslizando e respirava muito melhor.

A ucraniana me deu um beijo demorado na testa, piscou o olho, pegou o busão e foi embora. E nem me dei conta da cena. Continuei ‘flutuando’ em direção ao cafofo, tudo parecia mais leve e singelo, a respiração límpida. Eu nem lembrava mais das nove mulheres da aula de ioga. E foi aí, naquele exato momento, que entendi o que estava realmente acontecendo. Não era o maconhão, eu estava sendo sugado para a Matrix da ioga. Toda aquela sensação de leveza e de um mundo melhor não poderia ser real.

Ainda flutuando, parei em frente ao bar vizinho de casa e entrei. Pedi um suco de laranja natural e uma caneca de cerveja preta. Lembrei-me do comprimido azul e do vermelho na Matrix. Olhei ao redor. Encostado na parede, um barbudo fumava um charuto e segurava um copo de uísque. Ao lado, um bêbado dormia com a cabeça e os braços debruçados na mesa, segurando a garrafa de cachaça quase vazia. As poucas mulheres no lugar, bom, elas tinham barriga e estrias, como quase todas as mulheres da vida real.

Eram pessoas de verdade, sem ilusões de Matrix, apenas desilusões reais. Virei a caneca de cerveja de uma golada só, mais ou menos na hora que o garçom chegava com o pratinho de calabresa com fritas afogados no óleo de anteontem. Comprei um charuto e dei um tragada que encheu meu pulmão de substâncias cancerígenas e maledicentes. E enfim, sorri. Estava libertado, de volta ao mundo real.

Amaldiçoei aquela formosura ucraniana durante o resto da noite. A verdade se abriu. Afinal, só mesmo em um universo paralelo para uma loira de olhos azuis, linda e esbelta, dar mole para um papudinho entrevado. E cá para nós, nenhuma mulher de verdade tem índice de gordura corporal igual a zero, só mesmo na Matrix. Deixei a conta do bar no fiado de sempre e fui dormir feliz, abraçado com minha gastrite 100% da vida real.

Obs: Imagens enviadas pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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