Paulo Rebêlo 5 de setembro de 2011
Nenhum homem passa incólume a questionamentos assim

(www.rebelo.org)

A gente nunca admite por vergonha, mas estamos quase sempre procurando – ou esperando – alguém para substituir algo que perdemos.

Os amigos são os mesmos. Família, trabalho e problemas, também. Arquivos do acaso, alguém puxa o mesmo livro que o seu na prateleira da livraria e, sem ninguém lembrar direito como isso acontece, estão os dois sentados tomando um café, uma cerveja ou aquele copo de uísque sem gelo.

Humanamente impossível não passar pela cabeça dela, sequer por um segundo: será que ele vai me ajudar a esquecer…?

Quando o ‘ele’ em questão é você, é melhor suspender as ilusões platônicas e mandar trazer o gelo.

Porque em momentos assim, tudo que nós precisamos ser é alguém para ajudar a colocar uma pedra naquela cicatriz meio aberta, meio fechada, mas exposta o suficiente para ela não ter mais se interessado de verdade por ninguém. Até agora.

É quando nos tornamos uma espécie de cópia de segurança psicológica. Afinal, ela tem todos os motivos do mundo para não precisar conhecer, e muito menos se interessar, por gente nova.

Não faz diferença há quanto tempo acabou o casamento ou o namoro. Importa que ninguém conseguiu preencher, ainda, a lacuna daquele homem que passou. Pouco ou nada adiantou a série de curtições na balada com as amigas, os encontros cegos que elas marcaram, os pretendentes de plantão.

Faremos nós a diferença?

Ela não quer mais um azeitador de maquinário. Aliás, nem precisa. Há aos montes. Não quer conselhos e nem consolos. Para tal, as amigas bastam.

Quer apenas um pouco mais de segurança. O mínimo, uma fatia, uma porção júnior para não precisar acordar, todo dia, sem fazer ideia de como serão as próximas manhãs, tardes e noites.

Enquanto elas falam, gesticulam, logo ali à frente, a única coisa que passa pela minha cabeça é tentar descobrir o que passa pela cabeça delas em relação a nós.

Será que a fazemos lembrar do ex? Será que temos o tom de voz parecido? Será que torcemos para o mesmo time? Temos as mesmas convicções e preconceitos?

E quando os olhos dela começam a brilhar, será que é um encanto sincero ou um choro contido? Talvez por ter lembrado de algo que não gostaria, apenas pelo jeito de como chamamos o garçom.

Basta um pequeno gesto, seu, para reviver um batalhão de memórias supostamente mortas. Pode ser o jeito de segurar o copo, de oferecer o primeiro gole, de ter medo de multidão, de não encontrar o carro no estacionamento, de tropeçar sempre no mesmo degrau, de levantar apenas uma sobrancelha, de coçar a cabeça, de roer as unhas.

Como vamos saber?

E depois de pagar a conta, será que iremos nos encontrar novamente porque somos parecidos a alguém que ela tanto amou? Ou será porque somos exatamente o oposto dele?

Se estamos no cinema, será que o nosso ombro tem aquela simetria perfeita à qual ela se acostumou tão bem?

Quando deitamos juntos, será que por instantes ela vai lembrar de todas as noites em que eles dormiram durante meses, durante anos? E agora ela está prestes a fazer o mesmo, sem ele?

E depois, quando ela encosta a cabeça em nosso peito ofegante de cansaço, será que conseguimos passar toda a segurança que ela supõe precisar?

Nenhum homem passa incólume a esses questionamentos.

Mas, no fundo, a gente não quer saber a resposta. Para um dia não ter que responder o mesmo.

Obs: Imagem do autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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