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Até os anos 80 a festa do Sairé era um momento de confraternização bem popular. O ritual era preparado como originalmente se fazia. Tudo se concentrava na praça entre a igreja e o lago verde. Era o povo da vila se apresentando para seus vizinhos e uns poucos visitantes da cidade, maioria parentes ou antigos moradores que haviam se mudado para a cidade. Era uma festa bonita na simplicidade. Os festeiros não dependiam de recursos, nem de gente de fora.
Mas os tempos são outros, a maioria dos moradores mudou para a cidade, ou mais longe. Veio o asfalto, veio a fama de ter uma das praias mais bonitas do país, vieram os hotéis e as pousadas. Então a modesta comunidade de caboclos borari, tornou-se balneário. Também, assim como misturaram carimbó com síriá, Alter do Chão misturou a lenda do boto com a festa do sairé. E o que era cultivo de cultura, perdeu a inocência e virou comércio turístico.
Deixou de ser uma festa popular, como ainda é a dança do gambá em Pinhel do Tapajós, para ser um agito colorido para turista ver. Com um detalhe sério, criou – se uma dependência financeira de patrocinadores e do poder público. Neste ano, também as diretorias dos botos estão preocupados com a falta de recursos dos preparativos e arrumação dos coreógrafos. Ambas as diretorias dos botos esperam recursos, tanto do município, como do Estado. E não é pouco.
Um dos diretores admite que no ano passado, seu boto gastou 270 mil reais nos preparativos. Já a singela cerimônia do sairé, que tornou-se o contra peso da festa, não depende de recursos externos para seu ritual.
Tempos modernos, nem sempre melhores. E se os poderes públicos não puderem liberar 100 ou 300 mil reais, será que os botos não dançam? Os antigos borari e seus descendentes hoje ainda na vila balneária podem estra a dizer – nós éramos felizes e não sabíamos. Pensávamos que o progresso seria para o bem de nossa gente.
Mas depois que bem ali surgiram, os bois e o bumbódromo, as tribos e o tribódromo, também surgiu a necessidade do sairódromo, mas quem manda lá não é o sairé. Como bem diz a cantiga, “o boto não dorme no fundo do rio, seu dom é enorme quem quer que o viu, que diga que informe, o boto não dorme no fundo do rio…”. E os botos de Alter do Chão servem muito bem às pousadas e hotéis, aos restaurantes e bares da vila. Para isso, sacrificam a cultura local, transformada em mercadoria.
* Pároco diocesano e coordenador da Rádio Rural AM de Santarém.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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