professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio *

São 80 anos desde que a gigantesca imagem do Cristo Redentor foi erguida no morro do Corcovado, em situação privilegiada, que permite sua visualização a partir de vários pontos da cidade. No próximo dia 12 de outubro, o Rio vai rememorar e celebrar a grande festa que foi a iluminação da estátua.

De início encomendada ao cientista italiano Guglielmo Marconi, terminou sendo feita no Brasil por razões climáticas.

Desde aí, o Redentor flutua nos céus cariocas como se solto no espaço estivesse e sua gigantesca silhueta branca e iluminada é a própria identidade da Cidade Maravilhosa. Há 80 anos o Cristo abre seus braços sobre a Guanabara, sendo ponto turístico de visita obrigatória para o estrangeiro que chega; orientação para o transeunte que caminha ou para o motorista que busca um rumo e uma chegada; inspiração para o poeta que olha pela janela ou que chega de avião depois de longa viagem.

Em meio aos festejos programados para celebrar tão ilustre aniversário, a teologia, humildemente, pede a palavra. Talvez seja importante uma reflexão que mergulhe nas raízes da identidade daquele que a escultura deseja retratar. Por que Jesus Cristo? Por que Redentor? Por que o Redentor, a redenção? Quem redime e quem é redimido?

Entre os hebreus, redentor era aquele que tinha o direito de libertar propriedades ou pessoas, antecipando-se às comemorações do ano do jubileu onde todas as dívidas eram perdoadas e o povo se dispunha a um novo começo em seu processo de aliança com Deus. A redenção era, portanto o resgate, a libertação de todos aqueles em cujo caminho havia algum obstáculo impedindo a vivência plena da aliança com Deus feita de fidelidade e justiça. Com o passar do tempo, a esperança da redenção de Israel passou a repousar cada vez mais sobre o Messias e a expectativa do acontecimento redentor definitivo situava-se nos tempos messiânicos.

A noção de redenção que domina no Novo Testamento e no Cristianismo recupera a expectativa messiânica da Bíblia judaica, concebida não apenas como preservação dos males, mesmo espirituais, mas como a posse definitiva da plenitude do bem. Embora o termo “redenção” ou “salvação” apareça algumas vezes aplicado a curas milagrosas de doenças ou morte corporais, é sempre para mais além que ele aponta. As curas corporais são sempre ou quase sempre olhadas como sinal da saúde ou de vida em sentido espiritual.

Portanto, seja negativamente, como libertação do pecado, ou positivamente como superabundância dos bens mais altos, a redenção pertence por definição ao futuro. Mas já começa nesta vida, na terra, na carne, na contingência e na fragilidade da humanidade. Experimenta-se já no tempo presente, como penhor da plenitude que virá e que há que esperar vigilante e ardentemente.

A fé cristã proclama que esta redenção é realizada na vida, morte e ressurreição do Galileu Jesus de Nazaré, reconhecido e confessado como o Cristo de Deus. Foi ele que viveu a radicalidade do amor e revelou em sua pessoa a verdade sobre Deus e o ser humano; uniu com sua vida e sua morte o céu e a terra; manifestou-se como Palavra encarnada e perfeito ouvinte de um Deus que ensinou a chamar de Pai; demonstrou que existe um modo de ser plenamente humano que é o caminho para o encontro e a união com o verdadeiro Deus. Porém, o resgate redentor que Deus efetua por meio dele deve ser atualizado e levado à plenitude por todo homem e toda mulher que vivem no mundo.

A redenção se dá na tensão entre um já acontecido em Jesus e um dever ser que cabe à humanidade ao longo dos tempos. Sem esperança na redenção definitiva, corre-se o risco da autossuficiência e da soberba. Mas sem prática diuturna da fé, da esperança e do amor, corre-se o risco das impaciências fundamentalistas e das ilusões alienantes. O próprio da redenção trazida por Cristo consiste na tensão entre o “já” da reconciliação presente e o “ainda não” da redenção final.

Que os 80 anos do Cristo Redentor, abraço acolhedor e olhar compassivo que abençoam permanentemente nossa querida e sofrida cidade, possam ajudá-la a crescer na alegria de saber-se redimida e resgatada. Que sob o signo da redenção que preside sua privilegiada paisagem alargue-se o espaço para a paz que é fruto da justiça e bem maior a esperar.

*Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

Copyright 2011 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

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