Deborah Viégas 27 de setembro de 2011

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Meu nome é Caroline: Londres, 1985. Tenho 21 anos e todos os dias encontro-me de pé, às 5 da manhã para pegar um ônibus e chegar à faculdade a tempo. Muitas pessoas não gostam de andar naquele meio de transporte avermelhado, mas mesmo se eu tivesse um carro… Gostaria de continuar andando, às vezes, por este. Afinal, estaria me privando de apreciar, diariamente, minha maravilhosa cidade. Pelo contrário, prestaria atenção apenas em carros atrás de mim ou ao lado, já sou preocupada e paranoica demais para ter que vivenciar isso… Gosto de caminhar. Mas minha maior percepção, além de observar Londres, seria as observações: Reparar nas pessoas que passam. Deixo-me a imaginar: Que tipo de vida esta senhora deve ter? E aquela criança ali, é adotada ou filha deste casal, realmente? E aquele homem? Está tão triste… Foi traído, ou algo assim? Ora, não é de meu feitio preocupar-me com a vida alheia, isso não teria nexo, pois nem as conheço e muito menos gosto de lotar minha mente à besteiras…. Mas por tanto tempo, e passando pelos mesmos lugares, sendo sempre tão observadora… É impossível não levar em questão uma pequena possibilidade, a não ser que alguém não tenha uma mínima curiosidade ou tenha o hábito de, na correria para o trabalho, esquecer sua imaginação em casa.

Tem uma senhora, a quem me chama maior atenção, ela aparenta ter seus 70 anos – no máximo – e toda quarta quando passo na mesma Avenida 72, por volta das 08h00min a.m, ela está entrando nos correios próximo ao senhor que começa a abrir sua cafeteria. Uma senhora simples, que está sempre com um de seus vestidos coloridos, confortados e floridos, são engraçados! E então me pergunto: para quem tanto ela tem de mandar cartas toda quarta, e em mesmo tempo. Será seu marido que viajou? Um filho em um intercâmbio? Mestrado? Doutorado? (…) Às vezes, penso que meu problema é minha falta deles, preciso arrumar um namorado, um curso, um emprego, um estágio! Qualquer coisa que iria me ocupar o tempo e me estressar de vez em quando. Seria bom, antes que eu comece a perder o rumo de minha sanidade por fazer questionários sobre pessoas a quem mal conheço e quando vejo, estou tomando Valium. Antes de começar a pensar que estou a enlouquecer – bom sinal, pois se estivesse não admitiria… Espero – tomei uma decisão.


Desci no ponto daquela quarta, caminhei até os correios, mas ela já estava de saída. Por sorte, havia perto o famoso Starbucks, onde ela estava indo como de costume, então a segui! … Seguindo Carol? Certo, já perdi a razão. Logo, uma atendente veio em sua direção: ”O de sempre! Certo, Dona Margot?” ”Sim querida, obrigada. ” (…) ”Aqui está: Descafeinado, com leite e pedacinhos de chocolates por cima. Mais alguma coisa?”‘‘Não”. Ela sorri, e a jovem garçonete se dirige rapidamente aos outros clientes. Infelizmente, preciso ser mais precisa e discreta, antes que ela perceba que alguém lhe encara, viro-me rapidamente deixando algum dinheiro em cima da mesa pelo café e me direciono até a parada. Na quarta-feira seguinte desci na rua preferida da senhora mais cedo, seguindo até os correios. Precisava mesmo mandar uma carta à minha prima a qual está no Brasil, então aproveitei para aumentar minhas chances de rever Dona Margot e conseguir descobrir um pouco mais.

10 minutos depois, Margot chega:

“‘Com licença…” “Olá Dona Margot! Como vai a senhora hoje?” O homem dos correios sorriu, e continuou a ponderar-lhe esperando uma resposta. “Bem Alfred, eu só vim mandar esta carta… 60 centos não são mesmo?” “Sim, certamente. Mas antes gostaria de lhe trocar algumas palavras.” “Claro, o que deseja Alfred?” Ela sobe o olhar, com um sorriso inocente. “Adoramos a senhora dona Margot” –Ela já começa a franzir suas poucas sobrancelhas- ”E por isso me sinto no dever, de ser franco com a senhora hoje. Pois também, não é possível que não sejas consciente para saber, que toda quarta vens aqui -há anos- e não chegou nem nunca irá vir nada”. É isso! – Falo a mim mesma, em silêncio – A senhora não queria entregar carta nenhuma, e sim recebê-la. Mas a grande pergunta é… De quem?! Ela fica tão chateada e triste… Pobre Margot! Fico triste por ti. Cabisbaixa, e em silêncio ela apenas deixa em cima da banca os 60 centos junto a carta e vai embora. O atendente faz um sinal de negação olhando-a sair, mas logo se vira direcionando-se até a mim: ”Desculpe pelo transtorno, para qual endereço mesmo?” “Oi? Ah sim, Alphaville 123.” “Não foi nada… Aliás, ficaremos quites? Desculpe-me agora por tamanha impertinência… Mas, o que há com ela? ” Ele tenta me fazer um olhar duvidoso, mas não dura muito. “Ah! Dona Margot?” Que isso, John Lennon passou por aqui ”É sim, ela mesma senhor. ” ”Ela vem aqui toda quarta-feira perguntando por uma carta de seu filho James, que foi à guerra anos atrás. Infelizmente, ele não sobreviveu, como você já deve ter imaginado… Mas Margot é teimosa demais, tentamos de tudo para ajudá-la… Perguntamos porque não cede essa tentativa sem fim.

E então, ela fala: ”Ele vai me responder um dia, eu sinto isso, meu filho continua ao meu lado e espero sua carta dizendo que está tudo bem onde quer que esteja. E mesmo que ele não me responda nunca Sr, eu não perderei minhas esperanças, pois acredito! E me sinto… Mais perto dele assim.” Eu agradeço à Alfred, e enquanto caminho de volta para casa continuo a pensar em toda essa história.

Algo me comoveu em sua história, nem a conheço, mas sinto como se tivesse convivido com ela há anos. Passaram-se semanas e em uma segunda qualquer, quando cheguei à casa, aquela noite sentei a minha escrivaninha para tentar estudar um pouco, mordia a caneta e olhava para o papel em branco. Nada. Pensei em uma estratégia de marketing em moda numa ala constitucional. Nada. Pensei nos vestidos floridos de Margot, e ri. Olhei para o papel novamente, e um sorriso tornou aos meus lábios.

(…)

Saí de casa em direção aos correios, tendo por fim amanhecido sem dormir. Faltei à faculdade na tentativa de poder ter tempo para algum descanso. Quando cheguei, procurei diretamente por Alfred. ”Ei! Lembra de mim?” ”Claro! Garota Curiosa” ”Hahaha, preciso que me faça um favor” ”Pois não?” (…).

Quarta-feira.

Já me encontro aqui mais uma vez, passando pelos mesmos lugares, respirando o mesmo ar de Londres, está muito frio. Pouco depois percebi que o ônibus passava pela rua de dona Margot e olhei ao lado na janela, minha querida senhora dos vestidos floridos estava de saída, mas não hoje com as mãos vazias seguido de um olhar triste… Lendo, ela chorava com um sorriso extraordinário e eu o devolvi junto a ela.

Nenhum dinheiro compra o sorriso daquela senhora. Talvez, Dona Margot nunca saiba quem eu sou. E porventura eu devo ter mesmo um pouco de loucura em si, mas o que é a vida sem um pouco de imprudência e insensatez? Pois acho que minha impertinência fez um bem a alguém, e isso não deve ser um crime. Viva sua vida agora querida Margot, espero que seja feliz. Pois assim estou.

Mãe, nunca me esquecerei da senhora. Por favor, não me espere, estarei bem. Penso em você sempre, não se preocupe comigo, me prometa. Sempre te amarei, foste tu a melhor mãe do mundo! De seu filho, J.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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