22 de agosto de 2011
Quem passa por um edifício em construção, pode ver placas dizendo: “Precisamos de pedreiros”. Lojas de comércio alternam: “Precisamos de vendedores”. Infelizmente não podemos colocar nas portas das Igrejas: “Precisamos de profetas e profetizas”. Entretanto, é bom espalhar por aí que isso é uma necessidade urgente e que se apresentem os/as candidatos/as. Não estranhem o fato de que, diferentemente de outros ofícios, a missão de profeta quase nunca é bem aceita e reconhecida. Muitas vezes, gera até incompreensões e rejeições injustas. No tempo em que viveu no sertão do Nordeste, o padre Alfredo Kunz dizia: “Aqui, os urubus é que fazem o serviço de limpeza pública, já que as prefeituras não assumem. Todo mundo sabe disso. Entretanto, eu já vi gente criando todo tipo de pássaros, mas nunca vi ninguém criar urubu. Os urubus são necessários, mas ninguém os quer perto. Urubus me lembram os profetas de Deus, necessários, mas frequentemente rejeitados”.
Não é difícil celebrar a memória de profetas mortos. O evangelho denuncia que os fariseus e mestres da lei matam os profetas e depois erguem para eles belos túmulos, contanto que continuem mortos (Mt 23). Atualmente, em certos ambientes eclesiásticos, quando alguém fala em profetas como Mons. Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, assassinado por militares da ditadura salvadorenha e, aqui no Brasil, Dom Hélder Câmara, ex-arcebispo de Olinda e Recife, há quem os elogie, mas conclua com certo cinismo: “o tempo deles era outro. Hoje não pode mais ser assim”. E assim, estes religiosos dos tempos novos se recolhem em seu mundinho de paramentos, ritos paroquiais e segredos de cúria.
Para quem a espiritualidade significa caminho de amor e solidariedade universal, o mês de agosto recorda a memória de vários mártires da justiça do reino divino. No dia 10 de agosto de 1974, frei Tito Alencar, terrivelmente torturado em seu corpo e sua alma, procurava a paz na morte. No 12 de agosto de 1983, na Paraíba, era assassinada Margarida Alves, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande. Além de vários homens e mulheres que deram a vida pela causa do reino, em agosto, partiram deste mundo três bispos católicos que marcaram muito a caminhada da Igreja no Brasil como profetas da paz e da justiça: Dom Antônio Fragoso, bispo emérito de Crateús, no Ceará e um dos primeiros bispos ligados à Teologia da Libertação; Dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana, MG, e ex-presidente da CNBB que, em 2006, partiu no dia 27 de agosto, mesma data em que, sete anos antes, no Recife, nos tinha deixado Dom Hélder Câmara.
A missão de uma pessoa religiosa é ser testemunha da presença divina no mundo e atuar para que a sociedade se transforme de acordo com o projeto divino de paz e justiça para todos. Por isso, é bom recordarmos a profecia de pastores como Hélder Câmara, Antônio Fragoso e Luciano Mendes de Almeida. Todos os três, cada qual em sua área de atuação e do seu modo, conduziram a Igreja do Brasil pelo caminho da profecia.
Na memória destes três profetas da Igreja, nos damos conta da herança profética que recebemos e, junto com cristãos, pessoas de outras confissões e todos os homens e mulheres que acreditam no amor e na justiça, renovamos nosso compromisso de serviço aos irmãos e luta pacífica para transformarmos este mundo.
Em 1994, Dom Hélder mandava esta mensagem ao movimento italiano Mani Tesi (Mãos Estendidas): “Não estamos sós. Por isso, não aceito nunca a resignação nem o desespero. Um dia, a fome será vencida e haverá paz para todos. A última palavra neste mundo não pode ser a morte mas a vida! Nunca pode ser o ódio, mas o amor! Precisamos fazer com que não haja mais desespero e sim esperança. Nunca mais vençam as mãos enrijecidas contra o outro e sim o que o movimento de vocês valoriza: Mãos estendidas! Unidas na solidariedade e no amor para com todos”.
* Marcelo Barros, monge beneditino e autor de 40 livros, dos quais o mais recente é “Para onde vai Nuestra América” (Espiritualidade socialista para o século XXI). São Paulo, Ed. Nhanduti, 2011. Email: [email protected]
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.
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