(O Exemplo de Sines)

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Uma vez mais, o ciclo do ano trouxe-me a Sines conjuntamente com a família, a fim de quebrar a melancolia que a vida empresta a Coimbra durante o Verão. Em conformidade com o hábito, a nortada recebeu-nos de mau feitio, coisa a que não ligamos, sabendo como sabemos que, mais dia menos dia, o mar deixará de estar repleto de rebanhos de carneiros brancos e as areias das praias quedar-se-ão perante o cansaço do vento, pormenores que emprestam à terra de Vasco da Gama o hábito que faz o monge e alimenta a esperança dos forasteiros.
Não obstante, esperavam-nos duas novidades: o volume de obras nos domínios rodoviário e portuário e o retorno do sorriso ao semblante dos utentes e dos donos dos restaurantes, bem mais animados que nos anos anteriores, muito embora o movimento dos banhistas tenha quedado. Por outras palavras, Sines parece ter ressuscitado das cinzas do empreendimento concebido no tempo de Marcello Caetano. Da reunião dos líderes europeus tinham chegado boas notícias acerca da ajuda à Grécia e do emagrecimento dos juros da dívida de países em dificuldades, paliativo indutor de um sopro de vida que alivia o sufoco, mas não cura o mal. Era inevitável que a Alemanha e a França reflectissem sobre as consequências da manutenção de políticas austeras relativamente à questão grega e às dívidas soberanas de países periféricos. Não há dúvida de que vivemos tempos aflitos, contaminados por uma música impregnada de desdém, agiotagem, terror e guerras, coisa que destempera o dia-a-dia e alimenta o caos. Veja-se, com estupefacção, o que aconteceu com os atentados da Noruega que, não obstante o seu passado viking, sempre foi considerada um exemplo a destacar, nomeadamente em termos de política, gestão e qualidade de vida. Segundo parece, até Sines estaria na mira de futuras acções.
Pela terra de Vasco da Gama, está em curso um importante plano de investimentos, do qual se destaca o terceiro tanque de gás natural liquefeito da REN, o alongamento do cais de contentores do terminal XXI, que aumenta a capacidade de acostagem em 350 metros, sustentada por mais três pórticos e por equipamentos de movimentação, tendo em conta a possibilidade de uma interface ferroviária. O projecto dos biocombustíveis é menos visível, quem sabe se não estará embrulhado, tanto mais que os objectivos do novo governo estão concentrados no cumprimento do documento da troika. Muito embora esta panóplia de investimentos seja infra-estrutural, o que mais impressiona o visitante são as obras rodoviárias, muito em particular no que se refere aos eixos viários interactivos com a auto-estrada de Beja rumo a Espanha, facto que pode ter significado em termos do eventual congelamento da construção de uma linha férrea que eu sempre considerei dever ser de velocidade alta para colocar o terminal de contentores do Porto de Sines no coração da Europa. O terceiro tanque da REN está em fase de acabamento interno e as obras portuárias, inerentes ao aumento do terminal XXI, parecem estar adiantadas, muitos embora na visão daqueles que se dão ao trabalho de sair e entrar da cidade pelas portas do mar, o ritmo das empreitadas em curso não parecer frenético.
Todavia, em termos de aparência mediática, o que mais agita Sines é o festival “As Músicas do Mundo”. A gente jovem vai-se empilhando como pode, a cerveja corre e a apoquentação do presente e do amanhã é temporariamente atirada para o esquecimento. As tasquinhas enchem a marginal (Av. Vasco da Gama) e o programa é soberbamente apelativo, com músicos oriundos de imensos países do velho e do novo mundo e também da Ásia e da África.
Nos tempos que correm, a realidade é demasiado difusa, face à riqueza de cenários, à promiscuidade dos poderes e às soluções reactivas entre o bem, o mal e a conveniência. Nestas circunstâncias, o presente e o futuro de Portugal precisam de ser vividos com cautelas, muito discernimento e alguma esperança também e Sines tem condições de vir a ser um bom exemplo relativamente à vocação atlântica de Portugal. Além do mais, não podemos esquecer que estamos na terra natal do navegador português que descobriu o caminho marítimo para a Índia.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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