Penso diferente dos que, baseados no fato de que só dez por cento de bacharéis em direito é aprovado no exame de Ordem, apregoam que os cursos jurídicos brasileiros vão mal. No meu entender, se dez por cento consegue aprovação é o sinal de que os cursos jurídicos estão indo muito bem, mais do que bem, por uma razão bem singela: o exame de Ordem não é formulado com outro objetivo senão o de matar, o de derrubar qualquer bacharel em direito, verdadeira e afiadíssima guilhotina que a Ordem dos Advogados do Brasil usa, para não permitir a entrada de todo bacharel em direito em seus quadros. Não é para medir conhecimento de ninguém. É com o fim de reprovar, no duro.
          Portanto, se dez por cento passa é sinal de que os cursos jurídicos vão muito bem, obrigado. Quem não vai bem é a Ordem dos Advogados do Brasil, na defesa de um exame cujos quesitos são tão intrincados que a própria OAB não sabe redigi-los. Não é nem saber responder aos quesitos. É pior ainda: não sabe formular as questões. E a fim de a matança ocorrer em massa, convoca uma fundação para tal e nobre mister.
          A reprovação em massa fornece a OAB o falso argumento de que os cursos jurídicos brasileiros vão mal. Falácia. Mentira. O exame é tão difícil que as demais classes operadoras do direito, ou seja, advogados militantes, juízes, desembargadores, ministros de todos os tribunais superiores e especiais, procuradores municipais, estaduais e federais, membros do ministério público, professores universitários, também, todos, se fossem obrigados, por lei, a fazê-lo, não se registrava a aprovação de nem três por cento. E no meio destes que seriam reprovados, incluo, sem nenhum receio de errar, todos os membros das diretorias regionais da OAB, a começar pela de Sergipe, e a nacional, incluindo também os ex-presidentes que inventaram esse veneno.
          Necessário tirar o nevoeiro da paisagem. O exame de Ordem não é medida para decretar a falência dos cursos jurídicos brasileiros. O exame de Ordem, em verdade, é obstáculo para impedir que os bacharéis em direito se inscrevam nos quadros da OAB, e, possam, também, advogar. Eu, por exemplo, confesso sem pejo algum, já abeirando os quarenta anos de formado, com trinta e três anos de magistratura, não teria coragem de me submeter a tal exame, porque, neste exato momento, não seria aprovado, nem tenho mais paciência para decorar os códigos e as leis especiais. Decorar, é bom ressaltar. E olhem os senhores que não me considero tão medíocre assim. Se a lei me obrigasse a fazer, agora, esse exame, fugiria dele pela porta da aposentadoria. No entanto, acredito ter uma razoável atuação como magistrado. Mas, não sei, de cor e salteado, as características do crime de concussão. Com o processo na mão, descubro o caminho a tomar, e, na dúvida, não só com relação à concussão, mas aos demais delitos, abro o Código Penal e faço a consulta, sem que o fato me retire a capacidade de proferir meu voto. É só um exemplo.
          Se o exame de Ordem obrigasse também todos os demais operadores do direito no Brasil, teríamos uma realidade decepcionante: não mais de dois por cento de quem está na ativa (advogados, juízes, desembargadores, ministros, procuradores da república, promotores, professores universitários) conseguiria aprovação, e o resto cairia na reprovação. A OAB, então, ia espalhar que o mundo jurídico brasileiro era deficiente, como hoje, com os resultados de seus exames, defende a deficiência do ensino jurídico.
          A falência dos cursos jurídicos no Brasil é uma mentira deslavada que só veio à tona quando o exame de Ordem tornou-se um obstáculo intransponível para a espantosa maioria dos bacharéis em direito. O que os dirigentes da OAB não querem é dar exemplo, ou seja, provarem do veneno que fabricaram, se submetendo a tal exame. Primeiro, renunciariam a inscrição obtida sem o tal exame. Depois, se submeteriam ao exame. A sugestão, misto de desafio que retira a máscara do rosto de quem pousa como fiscal do ensino jurídico brasileiro, é, evidentemente, uma utopia. Porque, se arriscassem, não acredito que, no meio da diretoria, seja nacional, seja regional, passasse mais de meio por cento. E o que poderia ser dito com relação aos ditos dirigentes?
          Em suma, não há falência do ensino jurídico brasileiro. O que há, em todas as cores, é uma monstruosidade que a OAB inventou, movida por razões inconfessáveis, para fechar o máximo possível os seus quadros, e não satisfeita com sua maldade, ainda lança culpa nos cursos jurídicos. Além do pecado do exame, o da mentira.
Publicado no Correio de Sergipe
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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