professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio *

          Acompanhávamos perplexos a tradicional, civilizada e fleumática população londrina sofrendo diante de inusitada violência em seu espaço urbano, paraíso do turismo, da realeza, do chá das cinco e de tantos outros pacatos hábitos e realidades. Víamos jovens encapuzados derrubando portas de lojas, roubando desde janelas até eletrônicos, e nos perguntávamos se aquilo estaria realmente acontecendo na capital britânica.
          Ontem chegou a nossa vez. Desde o terrível incidente do ônibus 174, o Rio não vivia um pânico tão grande com o assalto a um ônibus de passageiros, desta vez em pleno centro da cidade. Feridos, tiroteios, reféns levados em carro em alta velocidade, a presença do BOPE…nada faltou ao cenário urbano de extrema violência a que os cariocas assistiram horrorizados diante do Jornal Nacional.
          Em Londres, jogos e eventos esportivos são cancelados. A segurança na Olimpíada de 2012 está no centro da discussão. No complexo dos Jogos que vê a violência aflorar a poucos quilômetros está o Estádio Olímpico, palco das cerimônias de abertura e encerramento do evento, além de ter instalações de diversos esportes, como basquete, handebol e modalidades aquáticas. O Comitê Olímpico Internacional (COI) se pronunciou para garantir que confia nas autoridades britânicas, mas especialistas acreditam que os incidentes atuais causam preocupação. Se a atual onda de violência explodisse durante os jogos olímpicos, certamente seria péssimo para a cidade e sua imagem.
          Aqui os mesmos jogos olímpicos ainda se encontram distantes no tempo. A violência não tanto. Parecia que ela ia nos dar trégua, com as UPP funcionando em alguns morros cariocas, mas pelo visto não se justificava tanta esperança. Ontem a mesma violência voltou a mostrar suas garras com gana redobrada. Um dos bandidos inclusive usava camisa branca e gravata, confundindo-se com os profissionais de classe média que voltavam para casa no ônibus frescão – mais caro e usado por pessoas de maior poder aquisitivo – após uma jornada de trabalho.
          A sintomatologia parece ser semelhante em vários pontos naquilo que acontece hoje nas duas grandes metrópoles, Londres e Rio de Janeiro. Embora, evidentemente, as diferenças entre os dois contextos sejam imensas. Mas em ambas vemos pessoas de baixo poder aquisitivo cometendo assaltos para roubar, para obter pela violência bens de consumo ou dinheiro que não conseguem adquirir por meios pacíficos ou pelo trabalho. Em Londres, a maioria dos assaltantes parece vir dos bairros de periferia e ter características compatíveis com migrantes de outros países e continentes, africanos, asiáticos. Aqui muitos assaltantes são fruto imediato ou mais remoto da migração interna, que traz pessoas das zonas mais pobres do Brasil em busca de trabalho e vida melhor, inchando a periferia das grandes cidades.
          Seja uma ou outra hipótese, ambas parecem apontar na mesma direção: a violência urbana é fundamentalmente fruto dos contrastes gerados pela injustiça, dos cruéis “apartheids” sociais gerados pela má distribuição de renda. As grandes cidades, por sua configuração, colocam lado a lado as duas realidades: os que têm muito e os que têm muito pouco ou nada. Mais cedo ou mais tarde, explode o conflito e recomeçamos a nos perguntar o que fazer.
          Diante de uma realidade como essa, a fuga, a autoproteção e o autoexílio atrás de grades cada vez mais herméticas não leva a muita coisa. Tampouco a truculência policial. Sobre isso temos tido experiências muito claras e autoexplicativas. Talvez o que estão fazendo alguns cidadãos londrinos possa inspirar-nos. A mídia noticia que grupos se formam, dispostos a cuidar pessoalmente da segurança da cidade. E onde houve destruição, estão prontos para unir-se e reconstruir. Repor as janelas arrancadas, os objetos perdidos, os jardins destroçados.
          Até agora, aqui em nossa cidade, não temos sido muito brilhantes neste espírito comunitário. Esperamos todas as soluções da polícia, do governo, da prefeitura e de não sei quem mais. E enquanto isso nos trancamos – aqueles que podem – em esconderijos que parecem “bunkers”. É horrível esconder-se na própria casa, na própria cidade, no próprio país. Não seria o momento de perseguir iniciativas mais pró-ativas? Creio que aí está o núcleo do diferencial que pode ser feito.

*Maria Clara Bingemer é autora de “A Argila e o espírito – ensaios sobre ética, mística e poética” (Ed. Garamond), entre outros livros.
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

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