Chegar de mansinho ao Jardim Botânico e caminhar em direção ao Jardim Japonês é um ritual de doce alegria…
Quando acontece de estar sendo esperada por flores-de-lótus perfumadas, abertas em oferenda sagrada, a alma se apazigua e canta.
Aprendi a fazer essa rota e mantenho, com outros admiradores igualmente apaixonados, um canal de informações:
– Hoje tem 5 flores abertas! – ouvi ontem pela manhã, de um deles.
As alamedas são muitas, todas possibilidades de rotas encantadoras, mas chegar até aquele santuário passando pelo palmeiral, prepara o coração e instiga os sentidos. Quase plenitude!
Ontem, era pra ter sido assim. E eu queria ter mostrado a mais uma apreciadora do Belo, que me acompanhava, aquele tesouro exposto à contemplação.
Qual não foi meu espanto, quando, chegando à beira do lago, vejo um homem acompanhado por duas crianças, despetalando, sem nenhuma cerimônia, uma das flores. Paro atônita, sem entender o que se passa e, tomada por uma indignação desmedida, grito ao ver um dos meninos partir para outra flor para desmontá-la também.
– Não faça isso! – meu grito ecoa, ferindo a sinfonia dos pássaros, do vento, do bailado das asas das borboletas.
Ao menos minha impetuosidade impediu mais um desastre. O braço erguido do menino para no ar e ele me olha espantado.
Um ancião parado na ponte, me repreende:
– Não grite com ele! A senhora nunca foi criança?
O homem que despetalara a flor se defende:
– A polinização já tinha acabado. Eu estava mostrando a eles.
– O ciclo das coisas precisa ser respeitado. As plantas do Jardim Botânico não podem ser tocadas. – afirmo categórica.
– Eu sou um botânico, minha senhora. – o homem tenta me intimidar.
Não preciso dizer que só consegui mesmo impedir que eles “experimentassem” desfazer todas as flores, porque é claro que ficaram constrangido, por me julgaram louca e atrevida, ao me importar tanto com aquele fato tão “trivial”.
Falei com o guarda, relatei o fato ao prefeito do Jardim Botânico, mas saí de lá, com o aprendizado de que as flores-de-lótus representaram, naquele momento, para mim, algo muito maior, de que são um símbolo.
Era o feminino em todo seu esplendor, a punjança da própria Vida, que tinha sido violada, naquele incidente. As pétalas brancas, arrancadas prematuramente, ainda viçosas, boiando na água, eram pedaços de um corpo valorizado apenas pela função reprodutora. Afinal, segundo o especialista, as flores já tinham sido polinizadas, podia-se, então, apressar sua “morte”.
Que lição equivocada estava sendo dada àquelas duas crianças!
Vendo o miolo nu, cheio de energia e completamente desprotegido, veio-me uma tristeza tão grande que reúne, talvez, todas as agressões e descuidos que já vivi e a que já assisti.
Como reverter tanta inconseqüência?
Penso que deveria se inserir a cadeira de Poesia nos cursos de Biologia, Medicina, Farmácia, Veterinária e afins… Poesia devia ser, mesmo, matéria obrigatória, em todo o processo de formação. Talvez, assim, o ser humano pudesse aproveitar melhor as inúmeras metáforas que a Natureza nos oferece, gratuita, singela e magnificamente. Ver que aí estão as mensagens da sabedoria maior, nas múltiplas formas, cores, perfumes, expressões diversas com que tudo se combina harmoniosamente na Unidade Maior, inatingível, inquestionável.
Ah! Tom Jobim! E eu que ao passar por sua árvore delirei tê-lo visto, de passagem!…
Que falta faz a sensibilidade no cotidiano!
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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