Ina Melo 15 de agosto de 2011
          Quando o avião desceu, nuvens pesadas cobriam o céu e um temporal se aproximava. No táxi, conversando com Paulo falei do meu encantamento pela cidade de Salvador, mística e encantada. Avisei: Tenha cuidado. Você pode ser enfeitiçado. Aqui mulheres e deuses estão sempre misturados.
          Escolhi de propósito o Hotel Méridien, onde há quase duas décadas me hospedei. Ao perguntar qual seria o meu apartamento, uma morena faceira de trancinhas disse: 707. Fiquei séria e ela perguntou: É supersticiosa? Quer trocar por outro número? Respondi: Não, obrigada. Abrindo a porta senti uma lufada de ar com cheiro de alfazema. Respirei fundo e entrei. Tudo igual ao passado, ambiente acolhedor, tons suaves no carpete, nas cortinas e no meio uma cama larga forrada de cetim.
          Afastei as cortinas. Um céu cor de chumbo abraçava o mar. Trovões ribombavam e raios luminosos atravessavam o oceano. A chuva caía grossa e impiedosa. Sentada na cama, assistia a revolta da natureza. Seria um ato de boas-vindas ou um protesto? Só eles, os Orixás poderiam responder.
          Levantei vesti a camisola e fui para a varanda. Naquele momento lágrimas de saudades misturaram-se com a chuva descendo pelo meu corpo. Loucura ou não, senti uma presença mágica a me abraçar e uma boca quente e gostosa procurando os meus lábios, esmagando-os. Foram momentos de intenso prazer e gozos sob o forte barulho dos trovões. O espetáculo só a natureza presenciava. Assustei-me quando um raio caiu numa das árvores do jardim. Voltei, fechei a porta envidraçada, despi a roupa molhada e joguei-me na cama.
          Não sei quantas horas dormi. A meia-noite acordei com os raios da lua acariciando o meu corpo nu. A magia do prazer tomava–me por inteiro e, mais uma vez deixei-me possuir pelo espírito encantado dos deuses. Quem seria ele? Foram tantos os amores passados na minha vida. Sempre me dei bem com os homens, amava e me deixava amar sem nada pedir, nunca precisei usar a moeda da troca, nem me fiz necessária a nenhum deles. Isto representava para mim a liberdade.
          Desperta, abri meu arquivo emocional e fui procurar num passado distante, uma paixão eletrizante que vivi nesta cidade. O inconsciente me trouxe depois de tantos anos para este mesmo apartamento onde, com alguém especial, passei uma noite de paixão e loucuras. Hoje, ele está perdido num passado distante, não sei se vivo ou morto.
          Senti fome e telefonei pedindo um filé “au poivre”, acompanhado de vinho “bordeaux” tinto. Ao som de Ravel e com a brisa suave cheirando a mar, jantei acompanhada dos Orixás que habitam esta mágica e bela cidade do Senhor do Bonfim. março/2007.
Obs: Imagem enviada pela autora.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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